23 de janeiro de 2012

2 Coelhos


Idem, Brasil, 2012. Direção: Afonso Poyart. Roteiro: Afonso Poyart e Izaías Almada. Elenco: Fernando Alves Pinto, Alessandra Negrini, Caco Ciocler, Marat Descartes, Thaíde, Thogun, Neco Villas Lobos, Roberto Marchese, Djair Guilherme. Duração: 109 minutos.


Não há como olhar 2 Coelhos e não pensar num filme feito por Danny Boyle. Afonso Poyart tem o mesmo estilo do diretor britânico ao desenvolver grande parte da narrativa numa sala de edição. Contudo, o brasileiro acerta ao não pensar que sua montagem desenfreada e ação ininterrupta são o bastante para trazer personagens complexos e humanos, assim, parecendo-se em último momento muito mais como uma versão tupiniquim de Edgar Wright do que Boyle.

Escrito pelo próprio Poyart, a história acompanha Edgar que após se envolver em um grave acidente elabora um plano que tenta unir todas as peças que o trouxeram até onde está hoje. Para isso, Edgar une-se com criminosos para colocar em prática o seu plano e envolve-se num jogo de vida e morte.  


De primeiro momento, 2 coelhos pode até soar estranho ao parecer mais uma versão cinematográfica de CQC do que qualquer outra coisa, ao trazer o sarcasmo marcante do programa e a montagem onipresente e engraçadinha. Entretanto, é interessante notar que a história não se prende a isso, ao também brincar com o estilo de falso-documentário no primeiro e terceiro ato, com suas várias subtramas no decorrer da narrativa e sua inserções nos colapsos nervosos de Julia, por exemplo. Afinal, Poyart tenta garantir divertimento em todas as suas cenas e ação ininterrupta, apostando no tom de humor do longa (como a cena de Negrini na praia) e em não deixar de mover sua câmera por um minuto sequer.

Portanto, é justamente em seu divertimento na construções de sua cenas que reside a maior força da narrativa de Poyart. Veja, por exemplo, quando estamos com o protagonista em seu carro e vemos múltiplas vezes sua reação há um assalto ou as voltas que o roteiro dá para mostrar quem é o vilão da trama – deixando o espectador não apenas entretido, como também ansioso pela revelação. Algo que não apenas se mostra uma decisão certeira ao conferir ao vilão ares misteriosos, mas também a apresentação da natureza do mesmo mostra-se ao mesmo tempo divertida e assustadora. 


Continuando no clima sarcástico com seqüências de ação, Poyart aproxima-se ainda mais do clima pop de Wright ao desenvolver cenas que consegue unir os dois fundamentos de maneira competente. Minha cena favorita, talvez, é a de Edgar mostrando que naquele momento o melhor a se fazer é distanciar-se de Maicon (com a câmera seguindo-o) para ver tudo de outra maneira e olharmos quem está atrás das paredes do local – como entramos no cano da arma, por exemplo, é de uma beleza visual marcante.

Todavia, o mais interessante do longa é que Poyart não se prende apenas a esse humor negro onipresente e aproveita de forma pertinente sua crítica aos poderes policiais e políticos brasileiros – mesmo caminho que Tropa de Elite percorria brilhantemente. Sendo normal vermos corrupção de todos os lados (advogados, deputados, juízes) e o cinismo com que isso é trabalhado fortalece ainda mais essa denúncia no filme – como quando vemos o deputado discursar sobre ética na televisão ou mais uma vez na ótima montagem do filme brincando com a construção de prédios ilegais e no desvio de dinheiro da merenda escolar.

Igualmente elegante é o direcionamento de Poyart ao colocar a ligação de seus personagens aos poucos e com calma, apenas dando pistas de quem faz parte do plano de Edgar – note, por exemplo, como Walter fica no carro esperando Edgar e surpreende-se quando ele volta ao veículo, algo que já sugere que ele não está seguindo Edgar, ou quando Walter diz em determinado momento: “Dinheiro é sempre bom!”.


Aliás, 2 coelhos acaba quase sendo um novo exemplar de Garotas Selvagens ao desenvolver tanta subtramas e tantos pontos de viradas que quase cansa. E se surge preguiçosa a explicação do plano todo de Edgar, sua cena final quase que compromete o filme ao trazer um completo absurdo – mesmo que o roteiro tenha colocado uma ou outra coisa que pudesse fornecer sustentabilidade ao clímax, como quando Edgar passa a dar indiretas que acredita em carma ou os principais alvos de Edgar: quem o ajudou.

Parecendo se divertir tanto quanto seu diretor, o elenco dá a solidez necessária para as ações de seus personagens e desenvolvem eficientemente suas particularidades. Enquanto Edgar surge como um rapaz que aprendeu a viver num mundo criminoso (observe a risadinha quando se vê frente a um revólver), vendo justiça apenas se ele mesmo se envolver no que irá proporcionar isso; Negrini desenvolve Julia com carisma o suficiente para que desejemos um final feliz para ela. E se Maicon nunca soa como um criminoso comum e parece sempre perigoso, Descartes parece se divertir nessa composição. Como não citar a cena em PB que Maicon depois de matar alguém pergunta se outro não quer utilizar o banheiro?

Os coadjuvantes também são notáveis ao proporcionar ainda mais o clima sarcástico e cínico do roteiro de Poyart, aparecendo de maneira sempre pontual e competente frases como “Não posso sair lá fora, estamos na favela e está cheio de gente armada” ou “Os malucos se reuniram para pegar ele”. Igualmente notável é Caco Ciocler, aqui em um de seus melhores personagens, ao sempre aparecer calado e com um aspecto vingativo – sua cena em que leva um tiro e levanta para acender um cigarro é excelente.

Surgindo como um dos diretores mais promissores e criativos do cinema nacional, Poyart não é apenas inovador ao trazer certos aspectos técnicos para um maior alcance do grande público brasileiro, como também é corajoso em seu terceiro ato ao trazer um destino inesperado. O diretor parece ter colocado seus maiores sonhos dentro de uma narrativa, ao trazer os mais variados estilos para compor um thriller de ação inteligente e com pitadas certas de humor negro. E se observarmos que esse é só seu primeiro filme, só podemos imaginar como serão os próximos...

2 comentários:

Morcego disse...

A critica foi boa.
Vejamos se o filme realmente é isso tudo.

Ccine disse...

PERFEITA ANÁLISE.
Parabéns pelo texto, faço suas minhas palavras rs.
Eu achei o filme muito bom tb.
O diretor tem futuro...