Ver “O Espião que Sabia Demais” é como assistir um jogo ininterrupto de xadrez durante mais de duas horas, em que os dois jogadores são igualmente inteligentes e agem com destreza e astúcia ao mover seus peões ao sacrifício – deixando apenas seus maiores aliados: bispos, torres e rainha à disposição para algum tipo de problema.
Traçando esse paralelo: de um lado, os peões são guiados por George Smiley (Gary Oldman), o qual tenta rastrear um espião infiltrado no CIRCUS; do outro, o próprio espião, que pode ser qualquer um.
Escrito por Bridget O’Connor e Peter Straughan, partindo do livro de John Le Carré, a história gira nos anos 70, em plena Guerra Fria , quando Smiley, um agente da velha guarda do serviço secreto inglês, investiga qual a identidade de um espião infiltrado no próprio CIRCUS. Requisitado pelo próprio governo britânico para descobrir a identidade do agente duplo, Smiley não pode confiar em ninguém do alto escalão do serviço secreto e todos são suspeitos.
Dando um ritmo e inteligência notável para sua narrativa, Alfredson (do excelente “Deixe Ela Entrar”) estabelece o clima de perseguição desde o começo do longa ao explorar já na residência de Control, onde estamos embarcando: “Não confie em ninguém, nem nos mais convencionais!”.
Mergulhando nesse clima melancólico, quase pálido, o diretor retrata seus personagens geralmente distantes e entre a multidão, destacando o clima de perseguição quando esses olham para os lados para ver se não foram seguidos. Da mesma forma, a direção de arte é competente ao trazer elementos que já definem as características dos personagens – note as luminárias na residência de Control e o personagem cercado por pilhas de papeis, arquivos e relatórios ou como a parede da sala de reuniões do CIRCUS surge quase como um efeito de ilusão de ótica.
Aliás, a desconfiança imposta pelo diretor é sempre bem administrada, desde momentos como os olhares culpados dos quatro chefes da CIRCUS até frases ditas pelos personagens que vão aos poucos revelando a face do espião. Pois, mesmo que cheguemos sem saber até o clímax quem é o espião, Alfredson é inteligente ao adicionar pequenas características e ações que o revelam.
Por exemplo, veja como Bill se posiciona de forma neutra quando ouvimos pela primeira vez o nome Operação Witchcraft, para não deixar suspeitas quanto sua identidade, deixando outros se posicionarem por ele. Assim como, quando Haydon vai até Percy e vemos na cena posterior Percy pedindo acesso aos arquivos da inteligência americana. Alfredson é competente ao desenvolver as suspeitas em todos os quatro principais líderes do CIRCUS, deixando ainda mais interessante o principal mistério do filme: quem é o verdadeiro espião.
Aliás, os papéis desempenhados pelo elenco parecem feitos sob medida, sem erros. Enquanto Firth cria um personagem que ao mesmo tempo é temperamental e respeitador (note como o personagem repreende Esterhase quando vê um sarcástico aceno), Hardy é talvez o personagem mais emocional do longa – como ressalta a mudança de rumo em uma operação por uma mulher e sua insegurança diante daquela situação, interessante observar a frase de Tarr para Smiley assim quando entra no apartamento: “Sou inocente. Razoavelmente”. E assim como Strong é excelente ao retratar um personagem que ainda acredita em seu antigo trabalho, mas com um misto de desilusão – como retrata a bebida ou seu personagem criar um vínculo com um jovem chamado Bill –, Cumberbatch rouba a cena ao desenvolver um personagem leal e de caráter irretocável, mas levemente alterado. Veja como o personagem age com lealdade a qualquer pedido de Smiley, mas nem por isso esconde seu nervosismo – note como responde prontamente ao pedido de um relatório, mas como suas mãos estão tremulas ao pegar sua mala e quando levanta a voz para Percy. Não deixando de citar, talvez meu momento favorito do longa, quando Peter tem que terminar seu relacionamento com seu namorado por ser um ponto fraco e é comovente ver seu personagem às lágrimas.
Mas é Oldman o grande destaque.
Criando seu personagem com uma frieza e estabilidade que assombra, Smiley não apenas se mostra duro com a realidade e com um aspecto cansado, mas também inteligentíssimo ao juntar as peças da investigação que apontam o culpado. Nunca subestimando a inteligência do público, o roteiro fornece a Smiley uma linearidade incrível para as investigações – algo que fornece uma sensação de estarmos vendo uma apuração jornalística em tempo real.
Desenvolvendo seu personagem apenas por gestos e de forma bastante monossilábica, Smiley se mostra um espião de pouquíssimas palavras ao perguntar apenas o necessário nos interrogatórios e priorizar ações que formam por completo suas particularidades. Note, por exemplo, quando o personagem descobre sua mulher o traindo em uma festa e Oldman apenas fica com suas mãos trêmulas e ajeitando seus óculos – tentando se recompor. Da mesma forma, o personagem surge sempre desviando o foco de sua separação. Sem citar quando o personagem recebe a notícia das suspeitas de Control sobre ele ou quando acompanha uma mosca dentro de um veículo.
Se estabelecendo como um dos diretores mais promissores de sua geração, Alfredson é inteligentíssimo na inserção de flashbacks acompanhando a trama principal que Smiley nos guia. A montagem de Dino Jonsäter é certeira ao aliar momentos felizes de seus personagens principais em uma festa de confraternização ao tom triste dos tempos atuais.
O que também fornece solidez a decisão feita pelo personagem de Strong no clímax final, ressaltando o quão aqueles homens lutaram por ideais e sentiram-se sujos por serem movidos como meros peões em um tabuleiro de xadrez. Um xadrez que foi jogado com uma classe irretocável por um promissor jogador e que ao final triunfou em seu derradeiro xeque-mate.
3 comentários:
Tive que escolher entre esse e Tomboy no cinema, optei pelo segundo.
Mas isso não quer dizer que o descartei! Verei numa próxima oportunidade.
Abraços!
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