Desde o começo de sua carreira, quando entregou em sequência Operação França e O Exorcista, Friedkin não vive um momento tão interessante. Afinal, com apenas dois trabalhos nos últimos seis anos, o diretor entregou duas obras inspiradíssimas sobre ambientes caóticos que derivavam em um desgaste psicológico angustiante: Possuídos e Killer Joe. Neste novo trabalho, explora, por meio de seus protagonistas, a forma como as pessoas são afetadas pela violência e malícia a sua volta – num constante confronto entre a perversidade e a sobriedade.
Killer Joe, roteirizado por Tracy Letts, aborda a história de uma pequena família de Dallas, quando o filho mais velho (Hirsch) resolve contratar um detetive (McConaughey) para assassinar sua mãe a fim de receber um seguro de vida que equivale a U$ 50 mil. O problema é que o matador de aluguel sempre cobra adiantado, mas abre uma exceção assim que visualiza na irmã mais nova do jovem uma espécie de garantia sexual até o pagamento.
Não recorrendo a diálogos enlatados presentes em demasia nas obras do gênero, Friedkin já surpreende ao começar o longa em uma total escuridão, na qual ouvimos apenas o barulho produzido por um isqueiro, num tipo de tic tac assustador, e mostrar uma tempestade se aproximando. Da mesma forma, o diretor já passa a identificar com astúcia as particularidades de seus personagens e a fornecer pistas para o desfecho de cada um deles: a primeira aparição de Sharla, por exemplo, ocorre muito tempo depois de insistidas batidas na porta de Chris e o que observamos de imediato é sua genitália à mostra. Enquanto Dottie se isola em seu quarto, não dando atenção alguma ao que acontece lá fora ou respondendo aos chamados urgentes do irmão (a primeira vez que se aproxima de Chris é na chuva para perguntar desconfiada o que ele faz ali), Ansel aparece com o habitual descontentamento de ter que fazer algo.
Novamente, a família Smith é notável em sua asquerosidade, bastando observar a maneira sórdida de seus diálogos ou em como seus integrantes falam sobre assassinatos e prostituição com naturalidade. O diretor ressalta muito bem esta perspectiva ao enquadrar pai e filho falando sobre contratar um assassino para dar fim à mãe do jovem debaixo de uma casa de strip-tease – retratando o nível moral de ambos como o mais baixo em que poderiam chegar. Friedkin também comprova na figura de Joe uma pessoa muito mais imponente que os outros personagens: quando chega até a residência dos Smith, nem mesmo o cachorro que havia reagido para Chris, na noite anterior, late para o suposto intruso. Além do mais, a forma como a casa passa a ganhar mais vida quando a serenidade de Dottie está presente é admirável.
Temple, aliás, sai-se muito bem ao compor sua personalidade infantil, quase enfraquecida, como se estivesse com medo do que incidia ao seu redor; Hirsch, por sua vez, limita-se a ser um sujeito explosivo; ao passo que Hunch se mostra um pai desiludido, e Gershon, surpreendentemente, a figura mais complexa daquele ambiente. Mas é McConaughey que realmente rouba a cena como um homem extremamente frio e controlador – analise, assim, o autocontrole cuidadosamente depositado em sua voz, a maneira presunçosa com que se dirige aos outros e a forma como sua perversão sexual vai o dominando aos poucos. Neste caso, devido sua instabilidade, a sequência final nasce extremamente incômoda por não termos ideia do que ele irá fazer com cada um deles, mesmo que tenhamos suspeitas de seus respectivos destinos. Não há como não ressaltar, ainda, a pronúncia quase delirante que o ator dá para a frase “Take out your socks”, não economizando no ‘s’.
Com um timing natural (depois de seu filho chegar arrebentado em casa por suas dívidas, o pai pergunta: “Você viu aquele cara nas apostas? Ele está me devendo dez dólares!”), Killer Joe até contém sua parcela de equívocos, como na falta de originalidade do roteiro em alguns momentos ou na cobrança da dívida, que nunca parece mortal, mas são completamente ofuscados por um diretor cada vez melhor e mais seguro. E quando vemos a única pessoa inocente da caótica sociedade sendo vencida, passamos a perceber que nossos maiores temores não estão apenas em nossas famílias, mas também em nossas mentes.
O mundo da família Smith
(A partir deste ponto, só leia quem já assistiu ao filme)
Cada personagem de Killer Joe representa algum tipo de disfunção: há o rapaz traficante mergulhado em suas próprias tragédias pessoais, culminando num desgaste maternal gigantesco; o pai que passa um aspecto miserável a cada aparição, muito provavelmente por ter perdido em tudo o que se propôs enquanto vivo (“Eu não tive mil dólares em minha vida inteira”), e que tem o mesmo tom da fotografia do longa-metragem: a de passividade aguda; a madrasta da família, que possui uma moralidade adaptável a sua ganância e vê o sexo como sua principal aptidão; além da figura frágil e isenta daquela morada, a personagem de Juno Temple.
Não é de se estranhar que a única pessoa que encanta o personagem de McConaughey seja exatamente a garota, pois – em sua mente –, assim como ele, a jovem é uma estranha no ninho. Parece não fazer parte daquela sociedade, mais especificamente, daquela família. Este é o motivo que faz o “detetive” ter sido fisgado por aquela figura em tão pouco tempo. Mesmo assim, os encantos de Dottie são seus maiores problemas. Para Friedkin, as pessoas mais doces são as mais suscetíveis a ter as mudanças mais drásticas quando influenciadas pelos comportamentos violentos de quem as cercam; a pequena Dottie não faz exceção à sentença. Quando se sente pressionada pela intensidade da cena final, e por tudo aquilo que ela tentava se esconder no recanto de seu quarto (note que é o único cômodo da casa que não enxergamos com clareza), Dottie quer apenas todas aquelas pessoas desaparecendo de sua frente, ferindo quem quer que seja: nem mesmo o seu irmão, que era o símbolo de sua tranquilidade em sua juventude, sobrevive; muito pelo contrário, é o primeiro a ser assassinado, como se também simbolizasse o fim da paz da moça.
Da mesma forma, apesar das limitações de Hirsch como ator, o destino de Chris já está traçado desde o início da obra: sua morte está decretada de uma forma ou de outra – tanto que ver Joe ou conversar com ele sobre o dinheiro já não desperta nenhum tipo de emoção em seu rosto, como se já tivesse certeza de que se não fosse Joe o seu agressor, seria Digger o homem que o enterraria. Já Ansel simplesmente não se permite a mais nada, está morto por dentro, seus sonhos e aspirações foram destruídos conforme sua vida foi sendo levada. Assim como o filho, sabia qual seria o seu destino em algum momento e tratava tudo de forma impessoal, a traição de Sharla não significava nada, igualmente a sua vida. Sua morte é apenas uma representação do que já sentia há muito tempo.
O destino de Sharla também é coeso e bem representado em sua cena final: até onde ela iria por sua vida, o que ela se sujeitaria: o frango é apenas um símbolo para sua depravada e inconsequente vida sexual. Ela não se importava com o que estivesse sugando, contanto que ganhasse algo – ali, sua vida. É notável, desta forma, que quando o personagem de Church pergunta se ela está bem, responda apenas com um simples e inquietante: “sim, estou”.
Killer Joe, logicamente, poderia ser uma obra falha com qualquer outra direção que não fosse a de Friedkin. Mas o poder de mergulhar seus personagens em lugares de puro terror – suas próprias mentes – continua como uma das maiores qualidades de sua (impressionante) filmografia.
Um comentário:
A verdade é que eu vi um filme, no entanto, espero ter a chance de vê-lo em algum momento eu acho que é importante ver todos os tipos de filmes, e para mim também é importante para viajar e visitar lugares, pode ser muito bom para mim conseguir um Aluguel apartamentos buenos aires
Postar um comentário