Lembro-me até hoje da primeira vez que li uma HQ. Eu tinha oito anos quando folhei uma história do Homem Aranha. Fui surpreendido pela maneira como eu via a ação da história em cada página e o tom sarcástico que era mantido nos exemplares, fui conquistado por completo. Vi com pesar, portanto, que o tom de magia e o sarcasmo no cinema passaram a virar piadinhas deslocadas e “descoladas”, por roteiristas que tentavam trazer esse universo da Marvel para o grande público.
Obras como Capitão América, Homem de Ferro 2 e, em menor escala, Thor, sofreram drasticamente não pelo fato de serem prelúdios do que viria, mas por serem utilizados como alívios cômicos em demasia durante a narrativa e sem timing algum. Todavia, após “Os Vingadores” uma dúvida sempre poderá martelar na mente do público: será que o projeto vingadores foi uma trama pensada durante cada filme ou será que foi algo apenas "jogado" para um possível futuro?
Ainda que eu ache a segunda resposta a mais correta, não daria para negar como Whedon trabalha eficientemente em particularidades de cada filme até então e, se sai admirável, não apenas em proporcionar a diversão e magia pelas quais a Marvel ficou conhecida, mas também por presentear o espectador com a carga emocional daquele universo.
Escrito pelo próprio Joss Whedon, após os eventos dos filmes de Thor e Capitão América, Loki (Tom Hiddleston) retorna à Terra para conquistar o planeta (novidade!) e liberar uma raça alienígena chamada de Chitauri para ser seu exército. Para isso, porém, Loki precisa roubar o cubo mágico dentro das instalações da S.H.I.E.L.D. para interligar os dois mundos. Para dar um fim aos planos de Loki, portanto, Nick Fury (Samuel L. Jackson), finalmente, convoca o grupo de heróis para fazer parte do Projeto – Vingadores: Thor (Chris Hemsworth), Hulk (Mark Ruffalo), Capitão América (Chris Evans) e Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), para salvar a Terra dos planos do irmão bastardo de Thor.
Definindo sua trama basicamente em três momentos – recrutamento, treinamento e batalha –, Whedon é notável ao estabelecer peculiaridades de cada personagem durante o primeiro ato, priorizando os que não haviam sido explorados profundamente em outros filmes. Enquanto o Gavião sempre se mantém observando a ação de longe, por exemplo, Whedon aborda a presença de Nick Fury em contra-plongée, chegando ao cúmulo de salientar o diretor da SHIELD numa presença mais imponente em tela do que Thor (que chega a olhar para cima ao se dirigir a Fury).
Da mesma forma, além dos heróis serem sempre apresentados com o uso desta técnica, o diretor passa a explorar também o lado humano da narrativa e sua relação com aqueles personagens – algo que Transformers, por exemplo, falhou miseravelmente. Assim, é tocante ver o desenvolvimento do personagem de Clark Gregg e sua importância para a reunião da equipe – observe, ainda, como Whedon intensifica a relação dele com o Capitão América (justo o personagem que o agente não havia tido uma maior relação em outros filmes).
Além disso, o roteiro de Whedon se mostra vitorioso não apenas no desenvolvimento dos acontecimentos que orientarão o clímax, mas no conhecido sarcasmo do universo Marvel. De tal modo, as frases surgem perfeitamente dentro do contexto, como: “Seu primeiro nome é agente”, “Ele é adotado”, “Os segredos dele tem segredos”, “Você é um alien? Não? Então você tem uma doença”, “Legolas, venha comigo”, “Deus franzino” e dezenas de outras. Da mesma forma que as frases mais emocionais são trabalhadas de forma mais intensa pelo roteirista/diretor, como quando Bruce Banner confessa: “O outro cara cuspiu a bala que tentei usar para dar fim a essa minha vida!”. Ou até mesmo no timing certeiro quando Capitão América paga uma aposta para Fury que havia feito há mais de quinze minutos.
Como se não fosse o bastante, Whedon se mostra um diretor excepcional ao saber como conduzir sua narrativa a cada momento, trabalhando na medida certa, sem exagero, nos slow motions nas cenas de ação, por exemplo, ou nos travellings circulares (que chega ao ápice quando vemos os heróis reunidos e prontos para lutarem juntos). E observe como o diretor realiza um plano invertido quando vemos uma briga entre os heróis ou na maneira como cada personagem se posta diante do outro – basta observar quando Thor se dirige a Loki e na maneira como o Deus do Trovão sempre aparece mais acima que o irmão bastardo, como se demonstrasse sua superioridade. É interessante, ainda, a maneira como Whedon gosta de brincar com seus personagens principais e as diferenças de cada um: se em um momento temos Tony Stark vestindo uma camiseta do Black Sabbath e entra na ação ao som de AC/DC (mostrando a geração mais rock and roll); noutro momento, Loki, Capitão América e Gavião entram ao som de música clássica.
Contudo, “Os Vingadores” não apenas é marcante pela condução de Whedon, mas também por seu elenco. E é criando Bruce Banner sempre com uma postura intelectual, dando alusão aos ares de doutor, voz cansada, mas mostrando também sua inconstância (como na assustadora cena em que grita com a personagem de Johansson), que Mark Ruffalo surge como o grande destaque do longa. O ator, ainda, é perfeito ao demonstrar sua transformação em cena: seja na forma de descontrole emocional (como quando a base da S.H.I.E.L.D passa por um ataque), seja por seu controle e sua adrenalina (“Estou sempre zangado!”).
Da mesma forma, Tom Hiddleston se destaca ao mostrar-se muito mais solto e sem a contenção que o personagem precisava em Thor. Assim, o ator é notável ao demonstrar seus olhares vingativos e de diversão ao ver o descontrole do planeta na narrativa – note, por exemplo, o olhar de Hiddleston quando vê todos em pânico depois de arrancar um globo ocular ou até mesmo nos constantes olhares de desprezo pela raça humana. Thor, por outro lado, não é aproveitado tanto como personagem – algo que limita Chris Hemsworth.
Em contrapartida, Chris Evans finalmente aparece confiante e surpreendentemente natural como Capitão América ao guiar sua equipe com atitude e comandar os personagens no campo de batalha – algo salientado pelas cenas em que o capitão protege a Viúva Negra de uma explosão ou quando luta lado a lado com Thor. E se Johansson está melhor do que nunca no papel de Viúva Negra, Renner mostra a competência de sempre ao evidenciar as emoções e virtudes de seu Gavião em pouco tempo de cena (“Quantos agentes eu matei?”). Ao passo que temos Robert Downey Jr sendo ótimo por ser, bem, Robert Downey Jr.
É surpreendente, assim sendo, que é um humano o escolhido por Whedon para dar fundamento e substância a sua narrativa. E neste papel, Clark Gregg é brilhante ao colocar o Agente Coulson como o fã daquele grupo de heróis, cujo se mostrou fundamental para união de todos e cujo mostra a maior dignidade humana: a emoção. E num dos momentos mais honestos, de fã para fã, Whedon se vê combalido a compor uma frase que unifica todos esses fundamentos e que é executada eficientemente por Gregg: “Você irá perder, está na sua natureza!”.
Terminando com um clímax impressionante, Whedon ilustra sua excelência por trás das câmeras com um dos melhores planos-sequências, atrevo-me a dizer, dos últimos anos: no momento em Capitão América joga Viúva Negra em direção a um dos vilões e a câmera segue o Homem de Ferro, passa pelo Gavião que com sua flecha a conduz até Hulk lutando lado a lado com outro personagem, Thor, e termina num soco do herói verde.
Pois, no fim, é não se privando do emocional daqueles personagens (como mostra as cicatrizes da batalha na armadura de Stark ou no resgate de Hulk ao Homem de Ferro), mas também não se esquecendo do sarcasmo e diversão daquele universo (como Hulk usando Loki como um boneco), que está o triunfo de Whedon. Se em Hugo, Scorsese usa o cinema como estepe de sua paixão pelo próprio cinema, falando de um apaixonado a outro; em “Os Vingadores”, Whedon faz o mesmo: não criando apenas uma obra de apreciação cinematográfica, mas uma homenagem àqueles que fizeram ou fazem parte deste universo desde criança.
3 comentários:
Vi esse filme ontem e achei simplesmente fantástico.
Alias, o plano sequência ao qual você se refere conseguiu arrancar de mim um dos "fodas" mais sinceros que já soltei na vida! Haha
Bela (e extensa! Haha) resenha, amigo.
Abraço e boa semana!
Meu amigo é mais um geek fã de HQ que se apaixonou demasiadamente pelo feitiço de Joss Whedon! Mas o filme é muito bom mesmo e afora peculiaridades preguiçosas do roteiro, é o melhor (depois de Homem de Ferro) dos filmes da Marvel.
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