20 de dezembro de 2011

Tudo pelo Poder (The Ides of March, EUA, 2011)



           Posso fazer qualquer coisa, mas eu tenho que acreditar na causa.


A frase dita pelo personagem Stephen Meyers, interpretado pelo ator Ryan Gosling, nos introduz no universo político da narrativa já de imediato – revelando-nos o caráter do personagem principal. Está no cerne de “The Ides of March” o corrompimento humano, o jogo político, a sujeira em torno do tema abordado. Não há aqui um universo maniqueísta, com bandidos e heróis ou certo e errado, há apenas personagens humanos com respostas humanas e que vivenciam situações humanas. O filme de Clooney não oferece grandes pontos de viradas, uma ação desenfreada ou um caos ideológico e perigoso; para Clooney, o mais importante é a denúncia de uma sociedade falida, de uma democracia perigosa, um lugar em que ninguém pode se portar diferente de como as coisas são.

Escrito pelo próprio Clooney, com a parceria de Grant Heslov e Beau Willimon, a história gira em torno de Meyers (Gosling), um jovem idealista que trabalha como assessor de imprensa do governador Mike Morris (Clooney) e que se vê diante de jogos políticos sujos nos bastidores das eleições para disputar a presidência dos Estados Unidos. Meyers acaba tendo duas opções ao longo da narrativa: render-se ao ambiente corrupto ou percorrer outros caminhos.

Investindo em planos abertos para mostrar os debates do governador com o grande público e em planos fechados para momentos mais íntimos de seus personagens, Clooney também é admirável ao realizar um recurso de campo/contracampo para demonstrar duas conversas ao telefone que os dois assessores de Morris estão tendo – se vemos Gosling de primeiro momento conversando ao telefone, a câmera vai se afastando sutilmente até vermos nosso real foco, Hoffman.

Clooney é igualmente elegante ao mostrar momentos íntimos de seus personagens com eles sempre próximos (o Governador com sua mulher no carro) e ao apresentar Morris do ponto de vista do povo, de seus eleitores, nos primeiros debates.

Aliás, o diretor é tão honesto que consegue deixar o espectador frio e desacreditado com seu próprio personagem. Se em um momento quando ouvimos Morris falar sobre sua proposta de ensino, acreditamos em suas ideias e partilhamos do mesmo sentimento de Meyers; no outro, passamos a desprezar o candidato por ter cometido tantos erros e não ser o que pensávamos que ele era (também partilhando os sentimentos de Meyers). E não dá para deixar de salientar a cena final em que vemos Gosling imponente na frente das câmeras e Clooney falando sobre ética no fundo.

Sim, no mundo político proposto por Clooney não podemos ter personagens ingênuos ou que acreditam em um ideal. É claro que para o diretor isso está claro, nada é mostrado de forma gratuita – olhe, por exemplo, quando nos é mostrado o escritório de Meyers na campanha, o que vemos ali? Um quadro negro escrito em giz “Morris terá meu voto” do lado de uma bandeira americana e de recortes de jornal mostrando a trajetória do governador atrás do personagem de Gosling. Depois que Meyers descobre sobre um erro do Governador, o que ocorre? Quase não vemos mais aquele quadro.

Para Clooney, Stephen Meyers é seu fio condutor. É pelo personagem que o diretor desenvolve suas principais idéias sobre os bastidores de uma campanha. Em uma das cenas do longa, em que vemos o personagem de Gosling ir em direção de Wood, podemos notar apenas um vão de uma escada, nunca as escadas, algo que sugere que Meyers está parado. Não há para onde ir, subir ou descer. O personagem está apenas sem sair do lugar. É interessante notar, ao final do longa, Meyers descendo escadas gigantescas até chegar a um ginásio onde fará uma declaração para a imprensa. Se antes víamos o personagem pelo vão das escadas, sem sair do lugar, ali víamos o personagem chegando ao submundo da política, finalmente, rendendo-se aquele mundo corrompido.

E é guiando-nos pelo seu personagem principal, seu centro dramático, que Clooney nos apresenta sua peça mais importante de seu roteiro, ao conceber alguém com um caráter ingênuo, sensível, mas não menos inteligente. Gosling é excelente ao retratar o amadurecimento de seu personagem conforme as situações que enfrenta ao decorrer do longa e como aquela ingenuidade do seu personagem vai morrendo aos poucos – note, por exemplo, quando Gosling enfrenta sua primeira realidade ao se deparar com uma gravidez inesperada ou quando se depara com o motivo de sua demissão e busca uma saída imatura e vingativa (“Vou denunciar todos vocês!”).

Ainda, a coesão dramática de Clooney, ao primeiramente denunciar a aura infantil de seu personagem perante os jogos políticos (como vemos na cena inicial) até o personagem rendido diante da corrupção na cena final. Se no começo temos Meyers brincando com o microfone e ensaiando sua fala de forma descontraída, no final temos uma situação totalmente inversa quando nos vemos diante de um personagem insensível e corrompido (o olhar de Gosling é de uma tensão absurda).

Estabelecendo seus personagens como seres humanos propensos a erros e extremamente falhos, impressiona que mesmo em um elenco de tantos nomes interessantes, todos tenham seus personagens bem desenvolvidos. Gosling é a ingenuidade da campanha, Hoffman é a lealdade, Ben o jovem com potencial e Tomei é a jornalista sempre em busca de um furo: “Se fosse um bom furo, meu noivo entenderia”. Nem Morris parece ser perfeito, já em seu primeiro discurso diz: “Devemos liderar o mundo novamente, como fazíamos antes”.

De qualquer forma, naquele mundo, todos têm um foco: as eleições. A maioria de suas conversas é centrada nisso. Não há muito tempo para casualidades. Em determinado momento, Morris pergunta: “Meyers, está solteiro?”, “Casado com a campanha, Governador”, “Boa resposta”, “E você, Ben?”, “Casado com campanha, Governador”, “Timaço!”, responde Clooney.

E enquanto a trilha de Desplat é inteligentemente equilibrada (note que só começamos a ouvi-la no primeiro ponto de virada do roteiro), a fotografia de Phedon Papamichael é brilhante ao utilizar sempre um jogo de sombras que favorece muito o clima de corrupção da obra. Pode-se ressaltar a emblemática cena em que Meyers encontra Morris no terceiro ato e, desde o primeiro momento, vemos Gosling com “duas caras” – veja como Meyers aparece com a parte esquerda do rosto sombreada e com a direita iluminada (justamente quando vai chantagear Clooney); enquanto o Governador é visto com o lado esquerdo do rosto claro e o direito sombreado, como se estivesse sendo travado um duelo naquele local.

Além do mais, parecendo tomar “Todos os Homens do Presidente” como fonte de inspiração, é normal vermos os personagens saindo de lugares escuros para dar alguma revelação importante – observe como Meyers sai das sombras para dar o dinheiro para Molly – ou quando vemos personagens conversando em meio às sombras. Vide a cena de Gosling e Hoffman discutindo na frente da bandeira americana, também sombreados, numa clara alusão aos bastidores políticos.

De certa forma, “Ides of March” traz muito tanto de “Boa Noite e Boa Sorte” quanto de “Todos os Homens do Presidente. O jogo de luzes, as chantagens e a manipulação de personagens. É interessante também perceber e elogiar a tradução do título, pois vemos um sinônimo para o mundo político de Clooney. Há uma trama de ambição ao poder subjacente a política e é aí que reside a maior qualidade da narrativa. Se notarmos que o único personagem que parecia ser o mais correto e leal fora sacrificado nessa disputa (falo de Hoffman aqui), percebemos uma triste realidade. Ou se submete ao jogo ou é exterminado.

(5 estrelas em 5)

5 comentários:

Gustavo Leso disse...

Excelente, não o filme mas a tua compreensão para o filme.
A meu ver o filme peca em pequenos detalhes, mas nada de comprometedor. É um ótimo filme com um excelente elenco. Mas apenas uma correção, Clooney apenas co-roterizou, o original é de Bau Willimon baseado numa peça teatral, cuja qual o personagem de Clooney não existe.

Otavio Augusto disse...

Parabéns pela crítica, Andrey. Adorei a tua visão sobre o filme de George Clooney. O filme realmente é muito bom, mas acho que Clooney deixou passar muito, principalmente no roteiro. A direção não foi o que eu esperava, pois eu achava que mais coisas iriam acontecer. Eu me agrado com a ideia do filme, não com o entretenimento. Achava que ele iria entreter mais.

Por exemplo, no romance entre Gosling e aquela atriz sedutora, eu acho que ele perdeu muito tempo, sem falar em outras cenas, que poderiam dar espaço à cenas que explicassem mais a ideia de Clooney.

Ccine disse...

PARABÉNS belo texto.
Você conseguiu detalhar com riqueza de detalhes o que torna desse filme um dos melhores do ano.
Eu geralmente no meu blog não aprofundo tanto a analise, mas adoro ler esse ótimo texto.
Tenho certeza que quem ler vai ficar ainda mais "LOUCO" de vontade de ver o filme, pq eu mesmo já tendo assistido, depois de seu texto quero rever.
Abraço e mais um vez parabéns!

Eduardo Monteiro disse...

Bela análise, Andrey. Também fiquei bastante impressionado com o filme e tenho pensado muito sobre ele, desde que o vi terça-feira. Pensei tanto que acabei (com muito custo) encontrando algo que não me agrada: a cena em que Morris liga para o celular de Molly e Stephen tem um impulso inexplicável de retornar a ligação, numa brincadeira invasiva que não parece combinar muito com a situação e consequentemente tira parte do seu realismo. Fora isso, não consigo pensar em outra parte que eu não tenha gostado. Tenho tido alguns pequenos problemas de déficit de atenção no cinema ultimamente, mas praticamente não perdi a atenção do filme hora nenhuma. Me prendeu mesmo. Uma grande obra.

Forte abraço

Daniel Herculano disse...

Clap Clap Clap