![]() |
![]() |
Nerve,
EUA, 2016. Direção: Henry Joost e Ariel Schulman. Roteiro: Jessica Sharzer,
baseado na novela de Jeanne Ryan. Elenco: Emma Roberts, Dave Franco, Emily
Meade, Miles Heizer, Kimiko Glenn, Machine Gun Kelly. Duração: 1h36min.
"Você
apenas usa 10% da internet"
Enquanto
o personagem do carismático Dave Franco é desafiado a se pendurar com apenas
uma mão num guindaste fixo, no alto de um arranha-céu, dezenas de observadores
do jogo Nerve aparecem ao fundo, em outro prédio, gravando em seus
celulares o desafio. A transmissão em tempo real chega aos olhos de milhões de
jovens que aguardam impacientemente o desfecho de um jogo que poderia ser
chamado de Dare/Die.
Mas
Nerve é um bom nome para um filme
que estabelece a tensão à flor da pele, nos colocando no angustiante ponto de
vista de sermos cúmplices de mortes que passam a ocorrer num jogo que, à princípio,
nos divertia. Assim, a jornada de Henry Joost e Ariel Schulman pela narrativa
corresponde fidedignamente a interação entre a simplicidade de algo banal e
suas últimas consequências – algo que passou a ser comum em thrillers americanos. No jogo de
perspectiva dos filmes do subgênero, muda-se apenas quem observa.
No
ótimo The Urbe, por exemplo, em que uma pílula dava completo acesso
aos desejos inconscientes dos personagens e a perda de autocontrole era
sintomática, o espectador era (literalmente) Deus. É ele que queria analisar a
sociedade que criara e o que ele poderia tirar dela.
Igualmente,
outros mundos já foram frutos de pensamentos similares e ainda mais pertinentes:
a inserção no mundo do slasher, onde um único psicopata lhe analisa todos os
dias até ficar enjoado ou humilhado e decidir atacar, casos de Slumlord,
GirlHouse
e Creep;
a documentação de assassinatos, tal qual Maníaco, The Scarehouse e Não
Documentado; uma distopia macabra que está sempre lhe observando – Jogos
Vorazes; jogos ambíguos, como Vidas em Jogo ou A
Lista; o dinheiro como principal ferramenta de controle entre a vida e a
morte: Creap Thrills; o puro horror cibernético, casos de The
Den, Amizade Desfeita, Ratter, Friend Request; ou,
claro, o inesperado terror proveniente de algo banal, como Would You Rather ou Scare
Campaign.
Todos
são exemplares que passam pela interação entre sociedade/vítima, onde o mais
pobre é o que se rende aos caprichos do empresário entediado e sedento por
sangue (ou no caso de The Urbe, um frustrado ser divino), além de fornecer a
ótica da vulnerabilidade de nossas identidades dentro do universo cibernético:
afinal, estamos realmente seguros ou com nossas privacidades intactas?
Os
diretores Joost e Schulman já haviam passado por caminhos deste tipo em Catfish
ou aproveitado esse apego adolescente pela tecnologia em Atividade Paranormal 4 e Viral,
mas sem a mesma excelência, precisa-se dizer. É natural a forma como o jogo
passa a se tornar mais macabro e intimidador. A sequência em que pessoas passam
a se dar mal nos desafios, como quando um rapaz rouba a arma de um policial, fazem
com que o espectador se dê conta de que o jogo ficou sintomaticamente perigoso,
a medida que ele avança e que mais pessoas passam a cobrar desafios e ter
controle sobre estudantes. Um espetáculo mais que bem-vindo para sociopatas.
Por
já nos deixar interessados nessa nova natureza de Nerve, a decisão de Joost e Schulman em colocar um personagem (até
então) coadjuvante para ser desafiado a deitar sobre os trilhos e esperar o
trem passar se torna uma das cenas mais incríveis do cinema em 2016. Não só
pela técnica, mas por nos deixar angustiados diante de uma morte que parece inevitável.
Se o susto da plateia presente na primeira sessão dos irmãos Lumière era com um
trem chegando na estação, o medo em 2016 se torna a nossa perspectiva frente a
frente com a locomotiva.