14 de outubro de 2014

Annabelle

Idem, EUA, 2014. Direção: John R. Leonetti. Roteiro: Gary Dauberman. Elenco: Annabelle Wallis, Ward Horton, Alfre Woodard, Tony Amendola, Kerry O'Malley, Brian Howe, Eric Ladin. Duração: 90 min.

Desde o primeiro momento de destaque de uma criança em filmes de terror, papel de Marilyn Harris em Franskestein, a figura infantil e a sua suscetibilidade diante do macabro foram marcadas por diversos estudos e progressos narrativos no gênero. Exatamente por isso, a representação de crianças como algo maligno ou monstruoso acabou sendo muito mais controverso e chocante na história, pois apontava que o perigo poderia pertencer aos olhos mais doces e ingênuos. Da mesma forma, a manifestação do terror por simples objetos infantis, como os bonecos, tomou o cinema de assalto em Poltergeist, Bonecas Macabras e, claro, Brinquedo Assassino. O panorama era semelhante: como explorar um terror escondido nos espaços mais simples. A boneca Annabelle era marcante em Invocação do Mal, nesta perspectiva, por justamente apontar que nada estaria isento de um grande mal.

No seu filme solo, a boneca pode não ser tão importante como se esperava, mas certamente é crucial para a mão pesada de James Wan aparecer.

Resgatando a essência da obra-prima de Wan, afinal, que também é citada algumas vezes, Leonetti deixa claro desde o princípio suas intenções na narrativa - como aponta a sábia cena inicial, onde observamos Mason e sua seita num televisor de uma casa destrancada da Flórida. Assim, o medo surge crescente e inusitado. Observe, por exemplo, que a primeira vez que nos deparamos com um cenário de morte é na casa ao lado - as nossas atenções são exclusivas ao casal; assim, o zoom de aproximação através das cortinas é perfeito para demonstrar a fragilidade do lar e do sonho americano. Ao mesmo tempo, o diretor dosa bem a sua tática de repetir ações para o susto ser maior: os travellings de aproximação no quarto da criança ou na boneca são eficientes, consequentemente, na ótica pretendida por Leonetti. É ponderada, igualmente, a decisão de não mostrar Annabelle de imediato, como nos evidencia as tomadas feitas por trás da cadeira de balanço ou os perfis na boneca, deixando que pensemos no pior quando formos encará-la. E é ainda melhor que a sugestão de suas aproximações nunca soem irritantes no contexto, mas curiosas - algo que também é repetido nas filmografias de West e Derrickson.

Além do mais, é bem visível a mão da produção de Wan na narrativa quando nos deparamos continuadamente com reaproveitações de grandes clássicos nas sucessivas homenagens: e a melhor delas, certamente, é a de O Bebê de Rosemary. Neste caso, não só o nome da personagem (Mia) é simpático ou a atmosfera com filhos, possessão e seitas funciona, mas a maravilhosa cena passada no porão, onde um berço preto é visualizado pela personagem e só a presença dela acalma o choro da criança, beira a perfeição. Aliás, todo o drama visto no porão é bem articulado por Leonetti, que também aproveita para inserir um tom assustadoramente cômico na cena do elevador ou na ótima seqüência da fuga pelas escadas. Afinal, justamente quando Mia decide sair de seu apartamento e parar de se reprimir, para enfrentar seus medos, é o momento em que ela se depara com o primeiro grande contato com seu opressor.

O roteiro de Dauberman, além disso, garante a mesma divisão formulaica apontada em Invocação do Mal: o incômodo, a opressão e a possessão. As próprias cicatrizes nas protagonistas, despertam seriedade a este ponto. Ainda, as tentativas de impulsionar as decisões por consequências pessoais é competente - as manifestações de medo por parte de Mia e a mudança de casa reflete bem o estado de espírito, bem como ajuda a dar ares minimamente críveis para o apelo sentimental visto no casal. E acho bastante notável a cena em que, após decidir se afastar da clausura de seu novo apartamento e tentar se sentir segura ao sair de lá, a personagem percebe que o verdadeiro problema está lá dentro, enraizado em sua casa, rotina e dependência. É mais íntimo. Os desenhos indo de encontro a ela enquanto sobe as escadas, como se fossem avisos, é uma solução hábil para sublinhar aquilo.  

E se a trilha sonora resgata tons clássicos e a edição de som aproveita muitíssimo bem os instantes de silêncio que a narrativa necessita, o design de produção consegue expor a grande mudança de cenário: de um casarão destrancado e isolado das áreas centrais da Flórida para o apartamento comprimido, mas compacto. As próprias bonecas no cenário passam a indicar seu papel central na nova morada.

Entretanto, é uma pena que a procedência do padre Perez seja jogada a força na narrativa e nunca seja bem-vinda, assim como a da personagem de Alfre Woodard, cujo único propósito é permitir que o diretor possa achar uma saída mais fácil e menos corajosa para seu clímax.

Conseguindo breves sustos em ocasiões inesperadas, como aquele brilhante instante em que a pequena Annabelle Higgins sai correndo em direção à Mia, Annabelle é surpreendentemente mais do que apenas um caça-níquel. É um produto de terror feito para lucrar com sua própria história, não apenas de marketing.


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