14 de dezembro de 2020

Lista: Os 25 melhores terrores de 2020

Num ano atípico como o que passamos, a morte e o contato dela com seus protagonistas continua fundamentando o terror moderno. Tramas mais maduras sobre horrores políticos, violência doméstica e a compreensão do fim da vida, complementam-se aos zumbis, exorcismos e traumas psicológicos e familiares.

A seguir, eu listei os meus 25 filmes de terror favoritos de 2020. Pela primeira vez desde que faço essas listas, não fiz um vídeo comentário, optei por comentário escrito. A lista é em ordem decrescente.



25. Cemitério das Almas Perdidas, de Rodrigo Aragão


 
 
Num determinado momento do filme, o espectador ouve os gritos de uma índia que é abusada por um padre jesuíta. Ouve, mas não vê. O contato que temos com o abuso, além dos gritos, é o formato de uma cruz que deixa entrar luz numa cela enlamaçada. Poucas cenas são capazes de representar tanto o novo ciclo do cineasta capixaba, que iniciou com A Mata Negra. O terror que era visto na trilogia dos zumbis – formada por Mangue Negro, A Noite dos Chupa-cabras e Mar Negro – agora dá lugar ao fanatismo religioso.


24. VFW, de Joe Begos


 
 
Violento e alucinante. Joe Begos (Bliss) é um nome cada vez mais expressivo.


23. Freaky, de Christopher Landon


 
 
O diretor parece fazer o mesmo tipo de narrativa que o consagrou em A Morte Te Dá Parabéns, ainda que sejam sátiras diferentes. Isso significa, igualmente, o mesmo entretenimento. Conta com uma performance divertidíssima de Vince Vaughn.


22. Sputnik, de Egor Abramenko 


 
 
Muito se fala em conexão e adaptação no debut de Egor Abramenko, Sputnik, uma espécie de híbrido entre Alien e A Chegada. Oksana Akinshina é Tatyana, uma especialista na mente humana que tenta salvar a todo custo o personagem de Pyotr Fyodorov, que é o único sobrevivente de uma missão espacial russa. Passa por ela, principalmente, o que pode ser considerado terror e o que pode ser considerado apenas uma forma desconhecida. Esse é o maior trunfo do longa de Egor: a tênue linha entre o assombro e a curiosidade.


21. Z, de Brandon Christensen



"Imagine, Z."

 
 
O novo filme macabro de Christensen (do bom Still/Born) tem alguns dos melhores sustos do ano - meu favorito deles, provavelmente, o que se passa na casa do amigo de Josh. Aos poucos, todavia, o que parecia um terror sobrenatural comum de 1h30min, torna-se uma obra tomada por tristeza familiar e que flerta com o que Brandon conseguira fazer tão bem no filme anterior - o horror e a sua tentativa de racionalizá-lo o máximo.


20. Bad Hair, de Justin Simien


 
 
Desde a substituição gradual de Culture por Cult, esse black horror divertido de Justin Simien provoca um simples e amalucado terror de um cabelo que consome sangue em algo maior - sobre fama, empoderamento e, claro, rituais construídos por séculos em maneiras de dominação.


19. The Deeper You Dig, de Toby Poser e John Adams


 
 
“Isso é o mais fundo que você consegue cavar?”

Lançado oficialmente em 2020, é um filme independente de horror dirigido por uma família norte-americana, Toby, John e Zelda, e cujo mote principal gira em torno do trio. A personagem de Toby procura a filha perdida. O personagem de John a matou. A figura de Zelda é o fantasma da obra, cujo efeito é irreparável na vida dos protagonistas – cada um vivendo seu mundo distinto. Essa dualidade registrada no longa se torna autoexplicativa numa cena em que os dois dividem uma mesa de tarô e passam a falar sobre dualidades, sobre o masculino e o feminino, sobre a vida e a morte e sobre o visível e o invisível. É uma narrativa cheia de nuances e metáforas, algumas mais simples e outras mais sofisticadas (como aquela da caixa de Pandora). É um filme desesperançoso, acima de tudo.

 
18. The Wolf of Snow Hollow, de Jim Cummings


 
 
Do mesmo diretor do divertido Thunder Road, The Wolf of Snow Hollow é um daqueles filmes que passeiam por gêneros com um humor macabro e irreverente. Em alguns momentos, é uma obra que parece dirigida pelos irmãos Coen; noutros, por Jonathan Demme.


17. Love and Monsters, de Michael Matthews


 
 
Esse delicado, lindo e, por vezes, empolgante filme sobre um jovem que parte em busca do amor de sua vida num apocalipse nuclear tem algumas das cenas mais adoráveis de 2020, como aquela em que pode admirar o mundo lá fora ouvindo a canção Stand By Me. Como em toda a história de superação, o protagonista garante sua evolução e percebe a beleza no simples fato de... sobreviver; bem, num mundo dominado por monstros dignos da década de 50 do terror norte-americano.


16. Spiral, de Kurtis David Harder


 
 
Há algo errado na comunidade para qual Aaron e Kurtz se mudam - o primeiro busca criar laços com os vizinhos, enquanto o segundo observa a comunidade como uma extensão da realidade mundana. O falso isolamento no campo não ressoa no ambiente familiar do casal. O preconceito os acompanha, e cada um lida de sua maneira. O terceiro ato de Kurtis David Harder pode não ser o bastante para amarrar essas lacunas, mas a influência de Bebê de Rosemary, O Culto, A Entidade e outros filmes mais recentes é perceptível e admirada.


15. Impetigore, de Joko Anwar


 
 
De certa maneira, todos os personagens deste filme de Joko Anwar querem fugir de seu passado, ainda que ele continue lá para lembrá-los das maldições e memórias trágicas feitas com sangue e pele.

Com múltiplos twists, este terror indonésio é criativo e repulsivo.


14. She Dies Tomorrow, de Amy Seimetz

 
 
 
Com a mesma semântica do medo de Midsommar, esta obra de Amy Seimetz se ancora no confronto de seus personagens com a morte e com a possibilidade da compreensão de que, sim, todos irão morrer. A transmissão desse pensamento comunitário pode causar estranhamento ou falta de compreensão para muitos espectadores, talvez por não se sentirem próximos de alguma forma do horror intimista que a autora propõe. Para quem conseguir, no entanto, aproximar-se da proposta - a recompensa pode ser enorme.


13. Host, de Rob Savage


 
 
Um irmão siamês de Amizade Desfeita, embora seja menos impactante que aquele, Host arrepia e reflete um de nossos maiores medos ocidentais: a profanação da morte.


12. Color Out of Space, de Richard Stanley


"Não era fruto do mundo dos sóis e dos sóis que fulguram nos telescópios e nas chapas fotográficas dos nossos observatórios. Não era um sopro dos céus cujos movimentos e dimensões os nossos astrônomos medem ou julgam demasiado vastos para medir. Era apenas uma cor que caiu do espaço – o pavoroso mensageiro de reinos informes que transcendem a Natureza tal como a conhecemos…", H. P Lovecraft.

 
 
A fragilidade da vida humana diante do desconhecido oxigenada pelas letras do maior escritor de terror que já existiu. Richard Stanley nos convence dos microrganismos que tomam a vida de uma fazenda e destroem a concepção de vida daquelas pessoas. Inspirado por Lovecraft, o cineasta debate a fascinação pelo aterrorizante, mantendo-nos sob a fustigação familiar - jamais saindo de seu manto.

Superficial ou não, o filme decide ser assim. E a história se reserva esse direito. A profundidade fica por nossa conta.

 
11. Relic, de Natalie Erika James


 
 
A metáfora sobre os sinais que unem a genética, a família e, consequentemente, suas gerações.

Bella Heathcote se arrastando entre as paredes de uma casa opressiva é uma das cenas do ano.
 


10. The Dark and The Wicked, de Bryan Bertino


 
 
Os sons deste filme de Bryan Bertino são aterrorizantes. Desde garrafas quebradas e ferraduras batendo no celeiro, cadeiras se arrastando sozinhas e o barulho da chuva caindo na aba de um chapéu até o som de uma faca cortando, o indicativo de uma presença estranha ou de uma tosse debilitadora. É uma obra pessimista e, por vezes, imprevisível.


9. Spontaneous, de Brian Duffield


 
 
Spontaneous, assim como She Dies Tomorrow, The Deeper You Dig e tantos outros, espelha o sentimento do horror frente à morte. Neste caso, na reação da juventude sobre o medo primitivo e o saber comunitário universal: todos nós chegaremos ao fim.

Nesta obra doce, o romance e a comédia macabra nos abre possibilidades de afeto para que possamos não apenas nos sentir presos àquela realidade apresentada, onde, em qualquer momento, algo pode acontecer.

É um debut especial de Brian Duffield.


8. Possessor, de Brandon Cronenberg


 
 
Deslumbrante visualmente, o filme de Brandon Cronenberg é violento, metódico, paranoico e sintomaticamente feroz. É como assistir a um filme de seu pai, David, no começo da carreira.

 
7. Amulet, de Romola Garai
 
"Em frente - não é a única estrada. Existem outras opções".

 
 
A câmera de Romola Garai experimenta uma sensação de horror diferente ao enquadrar passos com sangue no chão e parar numa mulher grávida implorando por piedade, enquanto dá a luz. Amulet é uma das obras que jamais imaginaríamos feitas por um homem na direção. Tomaz é um ex-soldado que se tornou um sem-teto numa Londres decadente. Ele encontra moradia numa casa em que moram duas mulheres, uma delas é uma velha matriarca que está prestes a morrer e que pode estar possuída por uma entidade demoníaca.

É perceptível desde o princípio, ainda que o filme de Romola seja misterioso, que algo cerca cada um daqueles personagens. Há muito medo, culpa e repressão por todo lugar. Um sentimento cada vez mais manifesto e respaldado pela acentuação de cada personalidade, bem como pela música primitiva. A cena com morcego no vaso é um deleite. Um exercício de tensão cirúrgico. Mais tarde, o mesmo acontece com a cena do olhar pela fechadura e os morcegos nascendo para serem abatidos.

O horror melancólico do nascimento de um natimorto, de um feto não querido, de algo blasfemo, ronda o medo de Romola. Sua direção é inquieta quanto a essas possibilidades. Amulet é uma sensorial e bastante pessoal, que reflete alguns dos maiores medos de sua realizadora. Uma obra sobre o quão importante é encarar as feridas, o monstro que alimentamos e seguir em frente sem esquecer.


6. Gretel & Hansel, de Oz Perkins


 
 
Maria e João: O Conto das Bruxas captura a magia de um conto de fadas, sem que se esqueça de conferir uma assustadora prosa cheia de possibilidades na mente de uma criança. É um filme com influências expressionistas sutis e fantásticas. Numa das cenas, Maria desce ao porão da bruxa e observamos a circunferência perfeita de um caixão se formando sobre seu corpo. Da mesma forma, o design de produção indica a fachada da casa como um chapéu pontudo, enquanto a porta da casa lembra tubas uterinas e o interior da casa se adéqua ao olhar das crianças sobre ela. Ao passo que o quarto é pequeno e deixa as camas dos irmãos próximas, a mesa grande e farta da casa nos dá outra dimensão de cenário, inclusive com a lareira atrás dos jovens, que comem o máximo que podem comer. O design de produção nos avisa que só iremos ver aquilo que é permitido.
 
A floresta ao redor, idem, é retratada conforme a sensação de Maria quanto ao que o mundo lhe apresenta. "Ele não lhe dá nada de graça", a sua personagem descobre a medida que vive. A fotografia é excepcional ao criar, assim, a mata muito mais clara e aprazível para as crianças do que o interior de grandes castelos ou de sua própria casa. Quando Maria fica frente a frente com um homem que quer lhe usar como objeto sexual, o cenário é escuro e vermelho, como se avisasse para ela o perigo que estaria correndo apenas em estar ali. Ao sair para floresta, o sol volta a invadir a tela e a floresta que é escura para alguns parece ser um santuário para os jovens. Pobres e famintos, eles avançam procurando comida e algum lugar para dormir.

De forma inteligente, o diretor Oz Perkins (o mesmo de I Am the Pretty Thing That Lives in the House, que está disponível na Netflix) cria paralelos acessíveis entre a nossa realidade e a dos dois personagens da fábula. Afinal, Maria se depara com questões de autoconfiança, torna-se quem precisa ser, segue em frente e cresce rápido demais. O terror é visto nas pequenas coisas, como na mãe com transtorno que afugenta os filhos de casa com um machado. Ou na sugestão de um banquete produzido com braços de crianças e animais mortos. "Se você começar a entender certas coisas, você também irá ver coisas que não quer", ela testemunha pro irmão João enquanto sombras podem ser avistadas ao redor dos dois – os fantasmas que deixamos no caminho.


5. La Llorona, de Jayro Bustamante


 
 
A câmera de Jayro Bustamante nos imerge de forma muito clara na história de uma família que carrega um genocídio de milhares de pessoas no seu passado. Aos poucos, o close se afasta de uma pessoa e evidencia dezenas de outras ao redor da pessoa que estava em primeiro plano. Isso será continuamente demonstrado ao decorrer do longa-metragem do guatemalo, que decide falar sobre o macro explorando o micro.

De todas as histórias de La Llorona a que já assisti, e colocamos aí os filmes de Damir Catic, H.J. Leonard, René Cardona, Andrés Navia, Ramón Peón e Michael Chaves, é admirável que a mais assustadora seja a de um drama político envolvido no folclore da lenda.


4. The Invisible Man, de Leigh Whannell


 
 
A primeira imagem de O Homem Invisível é a de uma vítima de abuso nos encarando com os olhos assustados. Ela tenta se desvencilhar do braço masculino que a segura, escancarando a tênue linha entre a segurança e a prisão presente numa relação.

O Homem Invisível é um filme sobre os fantasmas de um relacionamento abusivo.

 
3. After Midnight, de Jeremy Gardner e Christian Stella

 
 
"Abby foi embora"


Com esse simples enunciado, Jeremy Gardner e Christian Stella criam um belíssimo mumble(g/c)ore que transita entre o romance, o drama e o terror, no qual um homem apaixonado é aprisionado em sua casa devido a monstruosa ausência de sua namorada e passa a ser literalmente atacado por um monstro, todos os dias, após a meia-noite. Estruturalmente fascinante, a montagem aproveita a semelhança entre a ausência e a presença - no primeiro caso, a memória contínua; no outro, o incômodo permanente da madrugada. Na estrutura estabelecida, cenas pacatas e sensíveis mantém o suspense na última voltagem, como que, a qualquer momento, o monstro retornasse e acabasse com o sonho de seu protagonista.

Uma obra madura e que nos envolve em sua concepção.


2. The Lodge, de Veronika Franz e Severin Fiala



 
Uma causa cheia de traumas - é como podemos diagnosticar e nos orientar pelo perturbador The Lodge (dos diretores de Boa Noite, Mamãe). Há algo sufocante e debilitador em seu silêncio, que se projeta numa obra que serve de avaliação de um período de tristeza, resgate e de reclusão incômoda. Afinal, grandes espaços podem nos aprisionar e nos tornarem seres diminutos perante o tamanho do que nos cerca. Seus personagens continuam presos aos seus dogmas, suas religiões e suas cruzes (que aparecem continuamente na tela) até o fim. Como num grande filme de terror, a surpresa que aterroriza em The Lodge está no auge do desconforto; o susto - assim - é um coadjuvante de luxo. O terror está, acima de tudo, na perda do instinto de sobrevivência.


1. His House, de Remi Weekes

"Os nossos fantasmas nos seguem. Nunca vão embora. Vivem conosco. É quando os deixo entrar que posso começar a confrontar quem realmente sou."

 
 
O debut de Remi Weekes aproveita os fantasmas de uma guerra que não terminou para nenhum de seus personagens. Constrói uma tênue linha entre a realidade e o sobrenatural de sua obra, a qual é capaz de evidenciar o quão próximo pode ser o terror e, no caso daquelas pessoas, o quanto o é.

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