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The Nice Guys,
EUA, 2016. Direção: Shane Black. Roteiro: Shane Black e Anthony Bagarozzi.
Elenco: Russell Crowe, Ryan Gosling, Angourie Rice, Margaret Qualley, Matt
Bomer. Duração: 1h56min.
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Você está disposto a achar Deus?
–
Não, eu quero é achar a Amelia.
Pouco
antes de morrer, Charles Bukowski deixou sua obra-prima definitiva, Pulp, cuja narrativa desbravava o mundo
de um detetive mais ou menos acabado, mal sobrevivendo para bancar seu
escritório e que certa noite recebe uma visita inesperada de Dona Morte, que
lhe coloca em casos episódicos no decorrer do livro. Não é exatamente
sabido se há um código do investigador, conforme o tempo passa, a não ser que sua
falta de empatia com o mundo reverbera numa trama violenta na mesma medida que
espirituosa e dramática. Jackson Healy (Crowe) e Holland March (Gosling) partilham
do mesmo semblante dos personagens bukowskianos – mortos em licença,
essencialmente perdidos em suas vidas pessoais e tentando se agarrar a algo.
A
dinâmica entre Crowe e Gosling dita a história mirabolante de Shane Black, que passa
por uma Los Angeles cheia de possibilidades dos anos 70, onde a indústria
pornográfica começa a se tornar poderosa e a poluição de automóveis é abafada
por um Departamento de Justiça corrupto. Na verdade, o diretor pouco se mostra
preocupado em elucidar a paranoia conspiratória que cruza os mundos de Healy e
March; interessa-se por suas respectivas vidas e pelo conceito do cinema de
ação dos anos 70. Ambos são apresentados por seus costumes rotineiros,
através de registros relacionados à televisão e à publicidade que culminam em
planos gerais denunciativos acerca de suas localizações: March numa banheira, Healy
divagando sobre as crianças de hoje em dia num colégio.
Assim,
Shane Black nos mantém conscientes das particularidades dos dois protagonistas,
ao indicar um Crowe gordo e sempre levantando suas calças, enquanto Gosling
serve como uma lembrança do passado de Healy, com sua inclinação alcoólatra e
sempre pronto para outra. Observe como o diretor gosta de enquadrá-los em
situações similares, mas agindo de diferentes formas: um exemplo é ambos
bebendo e fumando num mesmo balcão, Healy com um charuto e March com um
cigarro.
Recheado
de diálogos inteligentes e cômicos ("Casamento
é comprar uma casa para alguém que você odeia. Lembre-se disso."),
Black também é competente em deixar o clima de perseguição adentrar a vida dos
personagens naturalmente, nunca deixando a câmera parada e aproveitando gruas e
travellings para construir suas sequências – minha favorita, talvez, é aquela
em que vários personagens tentam pegar um rolo de um filme. Da mesma forma, o
usa da perspectiva é sempre interessante,
principalmente ao deixar a ação como plano de fundo: um corpo sendo arremessado
do edifício, enquanto os investigadores fogem no elevador é hilário, bem como um
carro saindo da estrada e invadindo a casa de uma criança,
Com
uma trilha sonora que chega a flertar com o noir, Dois Caras Legais se encanta
pela improbabilidade. "Sou
invencível. Só isso faz sentido!", March caçoa no segundo ato. E não é
como Shane Black não quisesse que seu personagem imaginasse isso, já que ele
cai repetidas vezes de edifícios e casas, é atropelado, e segue de pé,
ajeitando seu paletó. Apaixonado pelas excentricidades dos filmes de ação dos
anos 70, Dirty Harry, Shaft, Desejo de Matar, o cineasta se junta a trupe de
Edgar Wright, Guy Ritchie e Martin McDonagh, alimentando-se de uma insanidade
sintomática e sedutora.