Há uma seqüência específica em Isolados
que basicamente reflete toda a confiança que o diretor deposita no espectador: após voltar vinte e
cinco anos no tempo para mostrar a personagem de Regiane Alves encontrando seu
pai morto na cama, a informação é reafirmada segundos depois pelo personagem de
Bruno Gagliasso. Algo que aponta para duas probabilidades: ou o cineasta
calcula que todos os espectadores são acéfalos ou que são desprovidos do dom da
visão.
Escrito por Tomas Portella e Mariana Vielmond, afinal, a seqüência
descrita não é um caso deslocado. Orientado-se pelos clichês do gênero sem que
compreenda o significado de homenagem e falta de intenção, Portella utiliza uma
fórmula que não apenas é desgastada, mas que carece de inteligência. E se o
primeiro (e longo) plano-sequência do início - com quadros simples sendo fonte
de terror e a essência do clima campestre, humilde e isolado sendo indicada -
parece promissor, a trilha sonora intrusiva de Lucas Marcier e Fabiano Krieger
imediatamente frustra qualquer promessa de eficiência ao ofuscar por completo a
edição de som. E é notável que tenha passado despercebido pela montagem a
ausência do maior temor da primeira vítima: a sensação de estar sendo vigiada
através dos sons da mata.
Do mesmo modo, a correria instável com a moça sendo puxada, a câmera
subjetiva para dar sinais de perseguição e a paixão por planos detalhes, jogo
de foco e profundidade de campo denuncia o amadorismo de Portella na direção,
que em todo momento quer passar a sensação de que existe um diretor ali. A cena
em que um cigarro é aceso no fogão ou dois médicos caminham ao fundo com uma
vassoura na frente, quase num jogo de hipnose, são exemplos óbvios.
Entretanto, é no roteiro o principal problema da narrativa. Conferindo
uma previsibilidade desde o princípio, Portella e Vielmond parecem não ter
noção alguma do que fazer com o argumento que têm em mãos: assim, observe o
momento em que o casal para no bar pra pedir uma informação, a fim de
"apenas" o protagonista saber o que anda acontecendo na região e
citar pela primeira vez o quanto sua mulher é impressionável. Logo depois, veja
como o personagem mostra o mapa ao dono do bar, buscando uma informação, mas
vai embora sem ela e - pasmem! - sem o mapa. Mas se esses erros de continuidade
não parecem importantes para os realizadores, o mesmo não se pode dizer da
insistência em informações que já havíamos entendido cenas antes.
Deste modo, torna-se um grande exercício de paciência o número de vezes
que Lauro afirma que sua esposa é sugestiva e impressionável, chegando ao
cúmulo dela mesma reiterar que, sim, é impressionável e visualizarmos uma
maleta de remédios para, sim, mostrar que ela é impressionável. Ao mesmo tempo, a montagem de Marcelo Moraes
é infantil ao tratar de, a cada momento, usar algum letreiro para apontar o
período em que estamos. Sem contar as finalidades por trás dos flashbacks:
como, por exemplo, Renata chegar correndo ao hospital desesperada procurando
Lauro para... o quê? É difícil dizer, já que ninguém parece mais se lembrar
dela no decorrer do longa-metragem e sugestiona ter nascido apenas para inchar uma trama que poderia ser finalizada em 15 minutos.
Claro que alguns sustos são produzidos para lembrar que, sim, trata-se
de um terror e, sim, vamos continuar reafirmando isso. E é risível a forma como
o diretor tenta interligar os sustos com o que está passando em tela: a
sequência com uma boneca, a melhor do filme, só acontece porque - olhem só - a
boneca lembra Renata de uma boneca igual que ela teve na infância.
Impressionante.
Além disso, o processo de tormento de Lauro é ainda pior por não
conseguirmos cultivar simpatia por um personagem controlador e quase criminoso
na maneira como trata sua mulher (desde agressões físicas e morais até
xingamentos convencionais). Por consequência, as desculpas para os personagens
continuarem sitiados se torna insuportável, desde uma volta ao carro ("Faz
sentido eu ter deixado a chave lá!") ou uma personagem retornar somente
para deixar Lauro e Renata mais um pouco naquele lugar.
E seria ilógico não comentar o maior ponto de virada do roteiro, neste
caso; portanto, se você ainda não assistiu ao filme, eu sugiro parar por
aqui e só retomar a leitura no parágrafo final. Tentando sustentar um
roteiro insustentável, Portella e Vielmond procuram retratar uma perda de
controle mental que nunca soa sólida, fazendo com que apenas pareça que o
médico pegou uma "loucura transmissível" de sua esposa, o que torna
tudo um pouco mais ridículo. Tão absurdo que os dois põem um grande flashback
para explicar como teria sido cada cena, um recurso que espelha perfeitamente a
resolução. Pois se uma pessoa deitar de bruços e bem, após uma fratura exposta
e depois de ter dormido por 36 horas, conversando sobre uma paixão por
cadáveres, não indica qual será o clímax, não dá para imaginar o que
advertiria.
Sem tensão, inteligência e intenção, Isolados
é uma obra brasileira que decepciona por dois grandes motivos: o primeiro
deles, afastar o público de uma onda fascinante de diretores brasileiros de
terror (Rodrigo Aragão, Marco Dutra, Juliana Rojas, Fabiano Soares, Ulisses da
Motta Costa) por achar que o gênero no país não tem grandes ideias; segundo,
por deixar locações tão bonitas e que renderiam planos tão tensos render seu
resultado final. O que penso ser muito mais assustador.
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