30 de dezembro de 2018

RETROSPECTIVA: OS MELHORES FILMES DE 2018




Listas de fim de ano não carregam respostas conclusivas. São reticências, vírgulas, acréscimos em uma discussão maior. Cinema, afinal, é bastante subjetivo. As afirmações para melhores filmes, portanto, tornam-se máximas individuais; retóricas, no fundo. O que houve de novo (ou de melhor) no cinema, em 2018? Não existe uma resposta assertiva para isso.


O que podemos afirmar é que listas provém de um despertar de inquietações – algumas, racionais; tantas outras, emocionais.


Aqui, eu listei alguns dos filmes que me acertaram em cheio em 2018. Espero que a vocês também.


Melhores Filmes Lançados em 2018:


1. Hereditário (Hereditary. EUA, 2018)



Episódios traumáticos podem definir variações num mesmo ambiente familiar. É o que o excepcional Halloween, por exemplo, evidenciava dentro de uma estrutura que permitia ligações entre três gerações diferentes. Hereditário expõe no pior sentido da palavra uma família enlutada diante de monstros humanos que se aproveitam da fragilidade de uma mãe para ressurgir sua seita. Ari Aster pode ser tanto metafórico quanto literal no desenvolvimento de sua narrativa, que nos remete ao pior da sociedade humana. O que gera medo em 2018 tanto quanto a impotência diante da vida e de si mesmo? É um clássico instantâneo.


2. Minding the Gap (Idem. EUA, 2018)





- Como ele disciplinava?


- É o que chamam de abuso infantil, hoje em dia.


Com relatos e imagens inesquecíveis, é aquele filme demasiadamente real do qual precisamos todos os anos para refletir profundamente sobre juventude, sequelas e amadurecimento.


3. Blindspotting (Idem. EUA, 2018)






Num ano como o nosso, a forma com que o desenrolar de Blindspotting nos imerge em sua estrutura, na natureza do medo racial, torna o longa algo profundamente impactante. A violência se torna sintomática, mesmo que se queira fugir dela, na ótica de Carlos López Estrada. Afinal, ela encontrará você em algum lugar. Spike Lee lançou mais de um filme neste ano, mas é Blindspotting, com toda influência do realizador, que catalisa o drama racial com a franqueza que Lee almeja em seus filmes. Blindspotting é o resultado primoroso de um contexto social que não se superará tão cedo.


4. What Will People Say (Hva vil folk si. Noruega, 2017)


Um dos problemas de sermos espectadores no mundo cinematográfico é observar as dores das pessoas que testemunhamos sem uma forma de acudi-las. O filme de Iram Haq é um exemplo ao evidenciar a descoberta da sexualidade da jovem Nisha numa comunidade paquistanesa conservadora. Maria Mozhdah merecia todos os prêmios do mundo por sua performance.


5. Roma (Idem. México/EUA, 2018)



Muito se fala das similaridades entre o excepcional novo longa-metragem de Cuáron e o brasileiro Que Horas Ela Volta?, principalmente pelo argumento de usar a casa e a relação patrão/empregada para descrever a desigualdade social num sentido macroeconômico. Do meu ponto de vista, no entanto, a narrativa soa muito mais próxima de Hiroshima, mon amour, de Alan Reisnais, ao usar o relacionamento de pessoas de realidades distintas para criar um testemunho extraordinário sobre sequelas de guerra. Não se pode lavar o passado, por mais que você jogue água na calçada. Assim, Cuáron evoca em sua narrativa uma fotografia em preto e branco que confere o charme de um filme de época se passando nos tempos atuais, como se passado e presente estivessem sempre interligados e, por um instante, estivéssemos diante da história sendo contada apenas para nós. O diretor utiliza o intimismo de uma casa para representação social. Quem somos nós individualmente diante de uma revolução. Podemos olhar de longe, em paralelo, sem saber muito bem o que está ocorrendo. Cleo é uma figura trágica, nunca romântica. É alguém cujo silêncio é ensurdecedor. Alguém que denuncia a desigualdade de um sistema que lhe chama de família, enquanto cobra sua mudez. É um drama sutil, mas poderoso.

6. Eighth Grade (Idem. EUA, 2018)


Bo Burnham, um dos melhores comediantes da atualidade, estabelece-se como um novo prodígio em um longa-metragem que capta com sensibilidade ímpar a atual geração online, em que, não importa o quanto estamos conectados, a solidão é gigantesca. A vida é difícil. Passo a passo, lidamos com ela. É uma obra que entra no mesmo patamar de filmes recentes, como Quase 18, O Diário de uma Adolescente e tantos outros.


7. No Portal da Eternidade (At Eternity’s Gate. França/Suíça/ReinoUnido, 2018)


Ao caminhar em um campo de girassóis mortos, as cores vão ganhando vida a cada passo que Van Gogh passa a dar. A miserabilidade e a indecência do mundo continuam lá, mas ele se transforma. Um filme sensorial sobre um homem perdido dentro de si. Uma obra de reflexão sobre como um homem depressivo encara a solidão num mundo que o vê como louco.

8. Skate Kitchen (Idem. EUA, 2018)


Talvez, a juventude skatista jamais tenha soado tão liberta, desprendida e anárquica quanto aqui. Um longa-metragem tanto envolvente quanto sensível.


9. Holiday (Idem. Holanda/Dinamarca/Suécia, 2018)



A escolha do design e da fotografia por tons sóbrios e modernos evidencia a dureza com que a diretora encara a tarefa de criar uma situação em que o abuso é visto como algo normal ou tolerável (a cena do estupro, onde percebemos uma pessoa subindo novamente as escadas, sem ser vista, pois não tem nada a ver com aquilo, é uma das melhores de 2018). Eklöf não está interessada em ser sutil; pelo contrário, ela quer confrontar o público masculino - uma missão que, visto os comentários, atinge com êxito.

10. Custody (Jusqu’à la garde. França, 2017)



Já foi o bastante para perceber que há um problema”, diz a advogada de defesa da personagem Miriam Besson, após a primeira cena do filme de Xavier Legrand se passar dentro de uma audiência. Lá, relata-se o passado truculento do relacionamento de Miriam com o marido, incluindo as agressões e o medo dos filhos. Ao nos colocar ao lado do pai, a partir de então, Legrand administra uma tensão que chega a ser angustiante, já que sabemos da natureza destrutiva do sujeito. Deste modo, a apreensão provém desde comentários simples como o filho xingando o pai até um pedido de desculpas dissimulado. Tudo soa como déjà vu, como se já tivéssemos ouvido aquilo milhares de vezes; e já ouvimos. O francês trabalha muito bem a referência de seu público para inchar o sofrimento da narrativa, culminando numa sequência final devastadora.

Outros filmes que merecem menção (na ordem):


11. Outro Lado do Vento, O (The Other Side of the Wind. Irã/EUA, 2018)

O trabalho póstumo e metalinguístico de Orson Welles indica o quanto o americano estava à frente do seu tempo, discorrendo sobre o processo de formação com uma atemporalidade que fascina.


12. Culto, O (The Endless. EUA, 2017)


"O fim chegou", dizia o rabisco pestilencial. (...) O Dr. Torres sabia, mas o choque o matou. Não pôde suportar o que teria de fazer; tinha de me meter num lugar estranho e escuro, mas atentou à minha carta e me fez voltar, com seus cuidados. Tinha de ser feito à minha maneira, pois vês: eu morri naquela época, há dezoito anos." [Ar Frio. Lovecraft, H.P.]

Arrisco dizer que The Endless é uma das homenagens mais bonitas que o cinema já fez para H.P. Lovecraft. Um filme que descreve como poucos sobre o processo de criação e nosso medo de nos repetirmos.

13. Jogador Número Um (Ready Player One. EUA, 2018)

Só a sequência da recriação de O Iluminado já colocaria essa aventura entre os melhores filmes de 2018. É aquela narrativa que evidencia o lugar de Steven Spielberg na história do cinema.


14. Halloween (Idem. EUA, 2018)

Certos medos nunca morrem. Podemos enclausurar o terror, mantê-lo encolhido no centro de um tabuleiro de um jogo de damas, cujo objetivo é imobilizar a peça inimiga, mas o medo permanecerá lá, mesmo inaudível, esperando o momento certo para ressurgir. Podem-se passar anos, a memória de um trauma jamais apagará. Priorizar-se-á outras coisas, ocultando uma determinada informação por um período de tempo, porém ela jamais morrerá. É o que nos evidencia desde o início o novo Halloween, de David Gordon Green, que está exatamente preocupado em falar sobre como podemos reagir ao episódio traumático. Ilustra-se, por exemplo, o início do longa-metragem entre relógios, tempo e retóricas sobre nossa confiança na mente e nossos sonhos para depois entrarmos no mundo das histórias, das lendas, agora informadas através de um jornalismo contemporâneo. Como entender a fisiologia do mal? No jogo que levou o Dr. Loomis a uma contestação simplista de que Michael Meyers era o estado bruto de tudo que é mal, Green se interessa pelo impacto que o mal gera no agressor e na vítima, priorizando, claro, a segunda. Assim, além de sinistra, a cena em que pacientes dentro de um manicômio começam a gritar ao redor de Michael, o único calado e no centro do quadro, denuncia a força de uma memória traumática e o quanto a máscara pode ser um objeto figurativo do sofrimento humano. Leia mais: clickfilmes.blogspot.com/2018/10/halloween-2018.html


15. Procurando Por Ingmar Bergman (Searching for Ingmar Bergman. França/Alemanha, 2018)


"O filme é apenas a forma como os sonhos (e sonhadores) são distribuídos. É a maior experiência mediúnica que o mundo já conheceu", descreve Bergman em determinado instante do documentário. Uma aura que os realizadores conseguem captar em cheio: a complexidade do caráter do homem atrás das câmeras e fora do estúdio orienta o espectador acerca do que inspira a filmografia do sueco. A procura por Bergman, neste sentido, é muito mais do que dissecar a obra do realizador, é averiguar o artista, seu pincel e seus impulsos.

16. Suspiria (Idem. Itália/EUA, 2018)

O inconsciente é estruturado como linguagem”, provavelmente, é uma das frases mais conhecidas de Jacques Lacan, o psicanalista que puxou as bases semiológicas de Saussure para se aventurar pela psique humana. O francês acreditava que o retorno ao inconsciente e à projeção, a raiz filosófica de Freud, era muito mais importante do que simplesmente o ego, a maior escola freudiana no período contemporânea. A lógica lacaniana estabelece algo intuitivo intrigante que é o raciocínio de que o significante pode ser mais importante do que o significado. Que a representação de algo pode ser mais fidedigna que o algo em si. A experimentação do calor, do fogo, pode soar mais explícita do que a figura de um fogo, por exemplo. Quando a personagem de Dakota Johnson afirma que quer ser o corpo daquela companhia, ela está sendo exatamente o sacrifício que Madame Blanc busca para projetar Markos no mundo. São projeções lacanianas, igualmente, que ridicularizam o falo masculino em determinado instante do longa-metragem ou, numa das melhores cenas do filme, a embasbacante sequência de uma mutilação corporal sendo orquestrada paralelamente à dança de Susie. Será o filme mais controverso da temporada exatamente por parecer um experimento psicoanalítico, o que soará estéril e mecânico para muitos.


17. Thoroughbreds (Idem. EUA, 2017)

Assim como Kate Can’t Swin, Always Shine, Thelma ou Alena, o filme de Cory Finley explora a paranoia, contando com a força de suas protagonistas, que crescem no ritmo que da tensão da narrativa.


18. Look at Me (Idem. Catar/Tunísia, 2018)

Podemos nos sentir impotente diante de adversidades, sim, mas é como lidamos com elas que nos define em vida. É, ao menos, a mensagem que o diretor Néjib Belkadhi expõe no belo Look at Me, que demonstra a relação do pai com uma criança autista.


19. Caniba (Idem. França, 2017)

Há uma complexidade tão grande em Caniba que qualquer tentativa de taxá-lo de uma coisa ou de outra perderia o impacto da obra dos diretores. Até onde vai o nosso limite? E a curiosidade na repulsa? O prazer ao observar o choque? Por vezes tratado como uma figura fascinante, noutros como um animal de circo, Sagawa parece ser usado pelos realizadores para julgar a imoralidade dos próprios espectadores ao assistir com interesse a crimes, psicopatas, sociopatas e serial killers noutras obras mainstreams. Caniba nos coloca frente a frente com o abominante. Por outro lado, o filme pode servir tragicamente como palanque para uma figura atroz. De qualquer maneira, uma obra rara e que culmina em múltiplos debates.


20. The Road Movie (Дорога. Rússia/Croácia/Sérvia, 2016)

Um documentário que, após soar à primeira vista um experimento sobre pontos de vista diferentes em rodovias, torna-se profundo dentro de sua jornada, a medida que evidencia em suas estradas fatalidades humanas e o contexto atual russo.


21. Como Falar Com Garotas em Festas (How to Talk to Girls at Parties. Reino Unido, 2017)

Raros filmes conseguem equilibrar rebeldia, ingenuidade, doçura e suspense de forma tão bonita. Afinal, a nossa busca e a curiosidade por algo a mais pode nos levar a lugar inimagináveis...


22. John McEnroe: In the Realm of Perfection (L’empire de la perfection. França, 2018)

Se artista e obra muitas vezes se confundem, a visão sobre McEnroe em In The Realm of Perfection entoa que a paixão pelos personagens da arte pode ser maior que a da arte em si. Aqui, tênis e cinema podem se confundir na elegância, no charme e no caráter autoral.


23. Se a Rua Beale Falasse (If Beale Street Could Talk. EUA, 2018)

Aquela obra calorosa e triste que, quando se percebe, já estamos envolvidos profundamente na narrativa.


24. Pantera Negra (Black Panther. EUA, 2018)

Em tempos como o nosso, onde a era da informação nos permite compartilhar pensamentos em microssegundos sobre qualquer coisa, o absolutismo moral com que tudo é encarado nos rende instantes de pura demagogia sociológica. Afinal, enquanto se aplaude o óbvio em discursos feitos para angariar likes e reconhecimento de que, sim, quem escreveu o texto também é uma vítima e também precisa de atenção, o que incomoda não ganha o debate merecido. Por quê? Se fosse fácil debater o sistema que estamos inseridos, ele não seria mais o sistema que estaríamos, certo? Num filme como Pantera Negra, o discurso reducionista de vilões versus mocinhos não é algo buscado. Pelo contrário, Coogler se apoia num debate histórico que já foi o pivô entre dois grandes pensadores americanos modernos: Malcom X e Martin Luther King Jr. Como se confronta a violência social? Com mais sangue ou com discursos de união e paz? Não é uma batalha em que se vê por completo a visão que sairá vitoriosa, pois, de novo, não saem vencedores desse debate. O debate acerca do sistema é mais amplo e busca a erradicação completa de uma cultura separatista.

25. Nasce Uma Estrela (A Star is Born. EUA, 2018)

"Eu só gostaria de olhar para você uma outra vez".


Certas histórias podem conter seus erros (inclusive técnicos, no caso de uma narrativa programada). Mas, quando não sabemos o final de nossa própria história, com pessoas reais e situações reais, filmes como A Star Is Born nos despertam de um coma emocional. E elas podem realmente nos afetar. Cooper se solta apenas pontualmente na direção, mostrando que há, sim, recursos a mais do que o convencionalismo que algumas sequências demonstram. Mas é óbvio que o que ele sabe que tem em suas mãos é a química entre ele e Gaga, além de uma sensibilidade que chega em momentos digníssimos. Assim, até mesmos cenas curtas, como a breve aparição de Dave Chappelle, denunciam raros instantes de felicidade que antecedem os nossos maiores temores: nós mesmos. Gaga e Elliott são brilhantes, e Cooper consegue captar a essência de Strait em Pure Country, com pitadas de John Wayne e Jeff Bridges.


Lista Completa com os 45 melhores filmes de 2018: https://letterboxd.com/clickfilmes/list/the-45-best-films-of-2018/

OUTRAS LISTAS:

Melhores Documentários Lançados em 2018:

https://letterboxd.com/clickfilmes/list/the-best-documentaries-of-2018/


Melhores Terrores Lançados em 2018:

https://letterboxd.com/clickfilmes/list/the-best-horror-movies-of-2018/



DIÁRIO COMPLETO DE 2018, NO LETTERBOXD, COM OS 929 FILMES QUE ASSISTI NO ANO:

https://letterboxd.com/clickfilmes/films/diary/


Aproveitem as festas. Até o ano que vem.