17 de janeiro de 2020

Coringa, de Todd Phillips


Joker, EUA, 2019. Direção: Todd Phillips. Roteiro: Todd Phillips e Scott Silver. Elenco: Joaquin Phoenix, Robert DeNiro, Zazie Beetz, Frances Conroy, Brett Cullen. Duração: 2h02min.


 
Coringa não é apenas uma obra sobre um psicopata comum norte-americano. Acima de tudo — é um filme sobre o mundo que ele habita e a tênue linha que nos separa de monstros. A narrativa do diretor Todd Phillips bebe diretamente da fonte da Nova Hollywood, quando diretores como Scorsese e De Palma, saídos de um declínio social reformulador, interessaram-se por personagens solitários, corruptos e condenáveis. Pode ser considerado o Taxi Driver ou O Rei da Comédia de uma nova geração de cinéfilos. Seu convite à ilegalidade nos desafia e fascina quase na mesma intensidade. Afinal, estamos diante de uma mente antissocial, instável e criminosa, mas quase a conseguimos compreendê-la, pois temos o advento da perspectiva, que nos permite acompanhar passo a passo da decadência natural de seu personagem e do mundo ao qual pertence. É a visão de Arthur que nos envolve em Coringa, relegando para segundo plano aquela avaliação que tínhamos sobre o herói Bruce Wayne e seus pais perfeitos noutras obras. Aqui, Thomas Wayne é um neoliberal meritocrata, assim como os três magnatas brancos que assediam uma mulher num trem e que se torna o principal gatilho para o personagem-título instaurar uma onda de anarquismo na cidade de Gotham.

É perceptível a influência de nossa própria realidade no filme de Phillips. Em Taxi Driver e O Rei da Comédia, os personagens de Travis Bickle e Rupert Pupkin eram o reflexo de sua sociedade solitária, alienada e carente de amor. Coringa trabalha Arthur Fleck como uma simbiose perversa dessas características, usando a projeção como a única forma comunicativa possível. Para ser aceito, ele idealiza seu próprio mundo. É envolvente até certo ponto com o público por tentar fugir de seu comportamento violento e destrutivo. Quando Randall lhe oferece algo que possa lhe servir de gatilho, uma arma, ele nega. Observamos suas últimas tentativas de se sentir uma parte da sociedade. Ele frequenta psiquiatras estaduais, procura ter um emprego e tenta garantir algum convívio humano com sua mãe. Sua risada ressoa como um grito desesperado. Um protesto lamentoso defronte ao banal. Ele desdenha a vida em sociedade porque não a entende. Não sabe como outros conseguem sentir num mundo que não lhes sente. Os casais saem a noite, frequentam clubes, humilham uns aos outros, e Arthur analisa. Ele escreve em seu bloco acerca de comportamentos. Em outros dramas, talvez, o comportamento errático se desenvolvesse em uma grande subtrama de renascimento ou sobrevivência.

Porém, os olhos que nos encaram no camarim, na cena em que a maquiagem é tirada, já nos demonstra alguém morto. O ser humano necessita morrer para o monstro tomar conta de si. Compreende-se exatamente esse aspecto na jornada de Arthur para o vilão Coringa, no pessimismo da história de Phillips. Existe um acordo prévio de que o destino de alguém como o protagonista já está premeditado. Está devidamente estipulado. Faz parte do show. Isso não torna a história menos triste, claro. É de um sarcasmo obsceno a música principal do filme ser That’s Life (A vida é assim, numa tradução literal), de Frank Sinatra, por exemplo. Não é um mundo ingênuo e ninguém passará por ele incólume, Phillips garante.

O figurino de Coringa propõe precisamente esta faceta ao trocar as vestes sombrias e surradas do vilão de Heath Ledger (O Cavaleiro das Trevas) pelo modelo extravagante e colorido usado por Joaquin Phoenix. São condições e mundos distintos, ressalta-se. A roupa destaca tons da personalidade de Arthur — o que ele tenta colocar para fora e não sente por dentro. Do mesmo modo, a risada de ambos refletem coisas diferentes: Ledger diagnosticava um assassino frio, calculista e brilhante que se divertia com seu próprio senso de humor doentio; Phoenix usa a risada como um grito de socorro de um homem aprisionado dentro de si e que não entende do que os outros são capazes de rir.

Ao lamentar o péssimo dia que teve para uma de suas projeções, nós sentimos angústia e temor, após nos darmos conta do que ele faz ali. Ele não fala de um dia, mas de sua vida. Procura uma de suas fantasias para se consolar, porém ela lhe manda embora. Arthur não é único num mundo doente, verdade. Mas é quem abraça a doença, a sociopatia e sua fúria. Retratá-lo apenas como o “mal” seria lhe tirar a complexidade. É alguém que se ergue diante de uma multidão sedenta por subversivos — e talvez seja essa a mensagem que incomodou a crítica norte-americana muito mais do que a comunidade europeia: a ficção tão próxima de nós. Há uma veracidade incomodativa nos protestos contra as desigualdades sociais e as truculências policiais testemunhadas no filme. A obra despreza Arthur, mas também despreza o mundo que ele vive.

Numa das grandes cenas de Coringa, nós estamos num trem acompanhando três homens brancos aterrorizando uma mulher asiática, enquanto o protagonista ri desesperadamente tentando fugir daquele momento tanto quanto nós. A medida que os homens avançam, curiosos sobre a figura bizarra, as luzes piscam e o medo se instaura. É a morte que promete para Arthur controle. Noutro momento, após matar alguém, a sua maquiagem branca recém feita está coberta por sangue espirrado. Ele descansa. Olhamos atônitos. E finalmente notamos o nascimento histórico de um vilão em sua totalidade.

16 de janeiro de 2020

Os 35 filmes de terror mais esperados de 2020


35. Todos os Mortos

Marco Dutra e Caetano Gotardo (montador de As Boas Maneiras) dirigem esse obscuro filme ambientado numa São Paulo do século 18, após a abolição da escravidão, e o impacto da morte de uma ex-escrava dentro de uma família e suas gerações. A Vitrine Filme distribui.

34. Quando as Luzes se Apagam 2
 
Um dos escritores de A Chegada e Bird Box roteiriza a continuação de Quando as Luzes Se Apagam, que traz o diretor David F. Sandberg de volta e amadurecido, após ter comandado os populares Annabelle 2 e Shazam. 

33. The Crooked Man
Baseado numa lenda inglesa, é mais um spin-off do universo Wanesco, que começou em Invocação do Mal. O estreante Mike Van Waes roteiriza. Ainda sem diretor.

32. Grito, O

O ano dos reboots, o de 2020. Nicolas Pesce, do excelente The Eyes of My Mother, dirige Andrea Riseborough, Demián Bichir e Jacki Weaver na recriação de O Grito. 


31. Resident Evil

O reboot da franquia ganha um nome interessantíssimo: Johannes Roberts, de Os Estranhos – Caçada Noturna, Medo Profundo e Do Outro Lado da Porta.

30. Invocação do Mal 3
 

A conclusão da trilogia Invocação do Mal será dirigida por Michael Chaves, que é apadrinhado por James Wan. É o mesmo responsável por A Maldição da Chorona.

29. Peninsula

Sequência direta do aclamado filme coreano de zumbis, Trem para Busan, quatro anos após os eventos do filme. Dirigido, claro, por Yeon Sang-ho, o realizador do primeiro filme.

28. Kandisha

Os franceses Julien Maury e Alexandre Bustillo, os diretores de Inside e Livid, se voltam para uma trama sobre uma entidade marroquina chamada Kandisha, a qual é invocada por três jovens. Após a brincadeira, a vida das três muda por completo. Maury e Bustillo também escreveram o roteiro.

27. The Hunt

Doze estranhos acordam em uma clareira. Eles não sabem onde estão ou como chegaram lá. Eles não sabem que foram escolhidos para serem caçados. Do diretor do perturbador Compliance.


26. Gretel e Hansel

O diretor de I Am the Pretty Thing That Lives in the House e February está envolvido em dois terrores esse ano, mas certamente o mais esperado deles é Gretel & Hansel, uma fábula na qual uma jovem e seu irmão, enquanto procuram comida e trabalho para ajudar em casa, se deparam com uma assustadora casa em um escuro bosque. 


25. O Porão da Rua do Grito

Filme brasileiro de terror dirigido por Sabrina Tozatti Greve, atriz que já trabalhou com Juliana Rojas, aborda um obsessivo relacionamento de dois irmãos que moram na Rua do Grito. Assombrados pela morte de seus pais, eles passam a ficar cada vez mais próximos e reclusos. Rebeca é a primeira a tentar buscar independência, algo que Jonas não permitirá que ocorra.

24. Feed

A reimaginação da franquia Jogos Mortais com Chris Rock e Samuel L. Jackson. Escrito por Rock.

23. The Invisible Man

O diretor Leigh Whannell, de Sobrenatural Capítulo 3 e do excelente Upgrade, segue a história de Cecilia, que recebe a notícia do suicídio do ex-namorado abusivo, mas, aos poucos, ela percebe que ele pode não estar realmente morto. Adaptação da famosa história de H.G. Wells.


22. Possessor

De Brandon Cronenberg, o filme é descrito como uma ficção assustadora e existencialista passada em um futuro próximo. É sobre uma organização secreta que usa tecnologia de implantes para permitir que outras pessoas possam realizar assassinatos por encomenda.

21. Witchfinder

John Hilcoat (Triplo 9 e A Estrada) dirige a história sobre um caçador de bruxas da vida real, Matthew Hopkins, durante a Guerra Civil Inglesa em 1645. Produzido por Nicolas Refn
 
20. Contos de Lama

No início dos anos 90, Gustavo, um adolescente pobre, sonha em fazer um filme de terror na vila de pescadores em que mora. Ele enfrenta as dificuldades da vida com muita criatividade e com a ajuda de seus bons amigos. Juntos, eles querem capturar as histórias contadas na região e transformá-las em filmes, sem saber que essas criaturas podem existir além da imaginação e colocar suas vidas em perigo. Dirigido pelo nome do terror brasileiro mais relevante da atualidade, Rodrigo Aragão.

19. The Turning

A diretora de The Runnaways, Floria Sigismondi, dá o seu próprio tom ao romance A Volta do Parafuso, de Henry James. Estrelado pela sempre interessante Mackenzie Davis.




18. Sobrenatural: Reino Sombrio

Isso mesmo! Nós teremos dois filmes do melhor cineasta de horror da atualidade no mesmo ano. James Wan volta para a franquia de Sobrenatural para dar ainda mais abrangência ao mundo que vimos pela primeira vez em 2011. Na sinopse do novo filme, uma entidade demoníaca tenta desencadear o caos no mundo dos vivos.

17. Freak Shit

“Em uma cidade em que monstros perigosos emergem do subsolo todas as noites, uma equipe perita no extermínio de monstros é incumbida de encontrá-los e matá-los antes que encontrem os habitantes da cidade”. É com essa sinopse que Ben Wheatley (Kill List, High Rise), um dos diretores mais talentosos da atualidade, crava Freak Shit como um dos terrores mais aguardados da temporada. O roteiro é dele e da parceira habitual, Amy Jump.

16. Relic

Gerações de uma família são assombradas por uma manifestação de demência que consome a casa delas e suas respectivas sanidades. Dirigido por Natalie Erika James e com Bella Heathcote, Emily Mortimer e Robyn Nevin no elenco. 

15. Labirintus

O novo filme de ninguém menos que Joe Dante (Gremlins). Um investigador paranormal, um pesquisador psiquiátrico e um engenheiro unem forças para explorar um centro de pesquisa soviético subterrâneo abandonado, o qual está escondido dentro de catacumbas sob o Castelo de Buda. 

14. Halloween Kills
Em 2018, David Gordon Green não apenas ressuscitou a franquia de Michael Meyers, como também deu uma nova roupagem ao slasher. Um dos terrores mais subestimados da década ganhará uma continuação com o mesmo diretor e o mesmo elenco em 2020. Já foi inclusive confirmado o fechamento da trilogia para 2021, com Halloween Ends.

13. Candyman

É uma quantidade expressiva de reboots e remakes em 2020. Nenhum deles, entretanto, parece tão interessante quanto essa recriação de Candyman, que conta com o dedo de Jordan Peele como produtor e o da talentosa Nia DaCosta como diretora.

12. Antlers

Produzido por Guillermo del Toro, Antlers é sobre um pequeno jovem que vive alimentando seu pai e seu irmão até que algo foge do controle e ele conta o segredo de sua família para uma preocupada professora. O trailer fabulesco é realmente impactante.



11. There's Someone Inside Your House

Patrick Brice (Creep) comanda um slasher baseado na obra da escritora Stephanie Perkins sobre uma jovem que está ainda em processo de adaptação à sua nova cidade quando alunos de sua escola começam a morrer em uma série de assassinatos, algo que lhe desperta lembranças do passado. Chegará ao Netflix com a produção de... James Wan.

10. Maniac Cop

Se há uma aposta para um filme violento em 2020, essa é certeira. Dirigido por Nicolas Refn (Drive e O Demônio de Neon) e John Hyams (Soldado Universal 4), a história acompanha um policial que retorna dos mortos para continuar patrulhando as ruas de Nova York – de sua própria e sanguinária forma.

9. Antebellum

A ótima Janelle Monáe interpreta uma escritora de sucesso se vê presa numa realidade na qual não tem controle. Com Jena Malone, é uma das apostas da Lionsgate, em 2020.


8. Last Night in Soho

Edgar Wright (Baby Driver e Todo Mundo Quase Morto) dirige um novo filme de terror, após 16 anos. Inspirado em Inverno de Sangue em Veneza e Repulsa ao Sexo, acompanhará uma jovem que se sente nostálgica com os anos 60 até se descobrir inserida numa trama assustadora. "O passado pode não ser agradável, se você não o conhece completamente", diz Wright. O elenco tem "simplesmente" Anya Taylor-Joy, Matt Smith, Thomasin McKenzie, Terence Stamp e Diana Rigg.

7. The Banishing

Conta a história da casa mais assombrada da Inglaterra. Na década de 1930, um jovem reverendo, sua esposa e filha se mudam para a mansão. Quem é o diretor? Christopher Smith, do genial Triângulo do Medo. Seu retorno ao terror.

6. The Night House

O jovem David Bruckner fez uma estrondosa fama com O Ritual, no ano passado, um filme que lidava com as consequências do passado na vida de seus personagens. Esse é o mesmo caminho que parece querer abordar no seu segundo longa-metragem solo (ele participa das antologias VHS e Southbound), que conta com a fantástica Rebecca Hall interpretando uma viúva que se depara com o passado perturbador de seu falecido marido. Produzido pelo mesmo estúdio de O Nascimento de Uma Nação, de Nate Parker.

5. False Positive


O mesmo estúdio de Midsommar, A Bruxa, O Farol e Ao Cair da Noite, a A24, volta aos cinemas em 2020. Dirigido por John Lee, que já trabalhou com uma das protagonistas, (a ótima) Ilana Glazer na série Broad City, pouco se sabe sobre a história de False Positive, a não ser que é vista com uma atualização de O Bebê de Rosemary.  Mas precisa mais? Se manter o padrão de qualidade da A24, a expectativa é altíssima.

4. I'm Thinking of Ending Things

Filme de terror dirigido por Charlie Kaufman (Anomalisa, Quero Ser John Malkovich, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças) sobre um casal que percebe a fragilidade de quem são diante de uma viagem que termina em tragédia. Produzido para o Netflix.

3. O Cemitério das Almas Perdidas



Rodrigo Aragão, um dos melhores nomes de nosso cinema, dirige seu grande épico de terror.

2. The Devil All The Time

De Antonio Campos (do brilhante Christine) e estrelado por Tom Holland, Bill Skarsgard, Sebastian Stan, Robert Pattinson, Jason Clarke, Riley Keough e Mia Wasikowska, o filme narra as sequelas psicológicas da segunda guerra mundial, no sul de Ohio, na década de 1960. Aposto minhas fichas nesse.

1. Malignant
 
Do melhor diretor de terror da atualidade, James Wan (Invocação do Mal), um paciente com câncer terminal descobre que, na verdade, o que possui dentro de si não é um tumor, mas, sim, um alien. Aos poucos, percebe que existe uma sociedade extraterrestre inteira se cultivando por meio de supostos tumores e doenças terminais. É baseada numa graphic novel escrita pelo próprio diretor em 2011.