David Bordwell costuma dizer que a percepção é uma atividade contínua e que toda a experiência artística é intensamente envolvente. Mas, mesmo quando jovens, o primeiro contato que o filme nos passa, além da superfície, é: ok, mas quem dirigiu isso?
Alguns trabalhos de cinema emergem uma consciência artística que nos enchem os olhos. Filmagens tão sutis que não se precisa oralizar coisa alguma. A seguir, eu listei os meus cinco trabalhos de direção favoritos de 2021, em ordem de preferência.
Kenneth Branagh, Belfast;
O menino interpretado por Jude Hill encara a guerra e dois grupos se encarando para o conflito, num plano sequência que focaliza seu olhar juvenil diante daquilo. É assim que Kenneth Branagh expõe a divisão de Belfast, num trabalho autobiográfico. Belfast é encarado por retratos, com momentos de felicidade sendo indicados através da paixão da arte. Buddy observa a infância com inocência, encanto e com uma devoção que é capaz de esconder a pobreza e o clima hostil. É um lugar em que pode se divertir com latas de lixos como escudos e espadas de madeira. Privilegiando a grande angular para filmar seus cenários imensos, ainda que pareçam precários, Branagh conta seu mundo com nostalgia e sem embaraço.
James Wan, Malignant;
A natureza do giallo não está apenas no assassino de capa, envolto nas sombras e com luvas de couro pretas. Acima de tudo, está contida no olhar. Na percepção do olhar que testemunha um crime ou vários. Ao trocar a sua contumaz narrativa de aparições, num jogo de pista e recompensa, o cineasta James Wan subverte a expectativa de seus próprios fãs, com uma estrutura a base de luz e sombras. É assim que percebemos a vida nas masmorras que a protagonista vive com seu marido. É por isso que nos impacta um depoimento com Gabriel. Se não for o bastante, avalie a cena em que temos uma personagem olhando para trilhos subterrâneos numa escuridão carregada e ao lado direito uma sinalização que diz: "começa aqui". É ali, justamente, que seu filme ganha o corpo que nos mantém em ritmo frenético até a sequência de ação do ano, na descoberta do vilão e a sanguinolência numa Delegacia. Trabalho de gênio.
Paul Verhoeven, Benedetta;
Paolo Sorrentino, The Hand of God;
Numa delicada cena deste novo filme de Sorrentino, as luzes se apagam, após os pais de Fabietto trocarem as últimas palavras um ao outro. O garoto não está na sala, mas parece saber exatamente o que os acompanhou no suspiro final. A vida cômica, satírica e verborrágica dava o adeus para uma profunda melancolia. Fabietto, então, passa a querer dirigir a vida, a fim de jamais se afastar daqueles que amou, inclusive sua tia, a sua primeira musa. Essa costura feita por Sorrentino nos arrebata com firmeza autoral e intimidade.
Rebecca Hall, Passing;
Existe uma grande tensão evocada naquilo que não é dito neste debut maduro e fortíssimo da talentosa Rebecca Hall, que parece cheia de experiência atrás das câmeras. Passing observa as relações interraciais com sutileza e com uma força crescente, cheia de consequências. Hall encara a natureza satírica do testemunho de duas negras que se passam por brancas com um olhar profundo, melancólico e assertivo com sua fotografia em Pb.
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