Kingsman: The Secret
Service,
Inglaterra, 2014. Direção: Matthew Vaughn. Roteiro: Jane Goldman e Matthew
Vaughn, baseado nos quadrinhos de Mark Millar e Dave Gibbons. Elenco: Colin
Firth, Taron Egerton, Mark Strong, Sophie Cookson, Samuel L. Jackson, Sofia
Boutella, Jack Davenport, Michael Caine. Duração: 129 min.
"Seus filmes eram tão bons quantos seus
vilões" é uma das principais frases que o personagem de Colin Firth
dirige ao "vilão" de Samuel L. Jackson, durante um jantar, em
Kingsman: Serviço Secreto. Na pauta, os dois discorrem sobre como gostariam de ter
sido protagonistas diferentes da mesma história, além de, claro, mastigar a
paródia explícita de filmes de espionagem. E não só James Bond é o centro das
atenções no novo filme do excelente Matthew Vaughn, como uma das melhores
referências é ao seriado televisivo inglês dos anos 60: Os Vingadores. (Neste
sentido, a comparação de Harry Hart com um sofisticado John Steed não é
incomum.) Na ótica do cineasta, a leveza cômica unida à dominação mundial
extravagante é a principal articulação em oferecer o clima que a frase
previamente citada quer tanto produzir: um filme de vilões e mocinhos
igualmente fascinantes.
Assim, mesmo que
pontualmente o roteiro explore um tom dramático deslocado, (a falta de sutileza
no tom pessoal dos assassinatos dos Kingsmans é o exemplo mais claro, bem como
a trama com a mãe de Eggsy), ainda que tenha sido pensado para ser exagerado
como é, o filme ganha vida quando abdica de qualquer tipo de noção teatral: e
deve se dizer que isso fica bem escancarado a partir do momento em que a
refeição servida na casa do magnata Valentine é McDonalds (que aqui, sim, é
originalmente sutil na crítica empresarial). Muito mais do que a exposição nos
clichês durante o primeiro ato, com as apresentações, o estilo da Kingsman e,
claro, os treinamentos.
Mas é aí que o talento
de Vaughn no entretenimento dá às caras: ao saber trabalhar cada uma das
sensações que as camadas do filme requerem. Não só na predição por músicas espalhafatosas,
cujo timing é tão inegável que suponho ser exatamente o que Snyder tentou fazer
em Watchmen (sem sucesso), como também na tensão depositada na obra - neste
caso, as sequências em que seus personagens se veem em situação de risco são
sempre assustadoras, como a angustiante cena do paraquedas, ou a escolha entre atirar ou não num cachorro
(aliás, é bem interessante que, principalmente nesta, não sabemos o que é
esperado pelos Kingsman: se a proteção ao companheiro ou apenas o obedecimento
às ordens). Do mesmo modo, todos os personagens conseguem ser bem orientados
em suas funções: desde o multitarefas Merlin, o ambíguo Arthur, o sofisticado
Lancelot, a mortífera Gazelle (e não é mero acaso ser tão semelhante aos
icônicos vilões de 007: como Red Grant ou Oddjob) e a combativa Roxy (nossa
Emma Peel).
Criando personagens com
seus respectivos graus de complexidade, não apenas focando nos dois
protagonistas, o diretor consegue fazer com que sintamos cada perda na
narrativa ou que temamos pelas cicatrizes de um futuro colapso. Sua decisão de
subverter as expectativas em dois momentos dão certo justamente pelo caminho
trilhado até então: uma envolvendo Roxy, outra envolvendo Harry. Colin Firth ,
aliás, é extraordinário ao conferir sensibilidade suficiente ao tom imponente
de seu personagem, fazendo com que pareça estarmos diante de um espião com
muita experiência. Sua lucidez, ao mesmo tempo de seu sarcasmo, lembra-nos
bastante o período de Roger Moore no "manto" de James Bond
("vamos aprender como se faz um martini"), inclusive, o que dá certa aprazibilidade
no tom parodial.
O Eggsy de Taron
Egerton, por sua vez, transforma-se na figura paternal que tanto ansiava,
culminando no tom dado no ousado terceiro ato: já que seu treinamento nunca foi
para substituir Lancelot, mas para substituir seu mentor. Ao passo que Jackson
nos demonstra uma natureza pacífica na luta contra o aquecimento global, mas
que se torna extremamente violenta e extravagante, lógico, nas intenções finais
- não fugindo muito das intenções de líderes da SPECTRE, por exemplo. Ou do
próprio megalomaníaco de Os Vingadores, August de Wynter.
A diferença é a maneira
assumidamente caótica que é tratada essa incidência, pois, principalmente nos
tempos de hoje, a inibição comportamental pode ser vista como um dos maiores
temores sociais. E isso é usado brilhantemente na forma da tecnologia: o uso
dos celulares, a navegação rápida e prática; um terror cibernético. Seu
terceiro ato, portanto, ao som genial de uma ópera explodindo mentes e
produzindo fogos de artifício, mostra-se espirituoso e profundo, sem esquecer
do humor cínico. A abnegação aos clichês é um dos grandes instantes, neste
sentido, quando a montagem nos divide em três ações diferentes, o que produz
uma excelente tensão.
Por mais que suas ações
sejam rápidas e a brincadeira com as gotas de sangue sejam constantes, Kingsman
é mais um belo acerto na carreira sem erros de Matthew Vaughn. Um diretor que
não se desprende por completo do drama e do romance, salienta um aprofundamento
social, e, igualmente, nunca perde seu temperamento. Numa terra de aberrações tecnológicas e autoparódia,
o filme não é só tão bom quanto o vilão; é tão bom quanto seu diretor.
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