A
Most Wanted Man,
Inglaterra/EUA/Alemanha, 2014. Direção: Anton Corbijn. Roteiro:
Andrew Bovell, baseado no livro de John le Carré. Elenco: Philip
Seymour Hoffman, Grigoriy Dobrygin, Nina Hoss, Daniel Brühl, Robin
Wright. Duração: 122 min.
É
dificílimo definir por completo a personalidade de Günther
Bachmann. Enquanto analisamos seu comportamento considerável e
preocupado com as mulheres que o cercam, por exemplo, mostrando um
ódio ao machismo escancarado numa cena passada em um bar; logo
depois, o mesmo personagem praticamente joga uma advogada contra uma
cadeira para buscar a informação que necessita. Da mesma forma, a
sua atitude controladora, firme, prepotente, irônica, difere-se de
sua curvatura, mãos no bolso, olhar cabisbaixo e a forma como
caminha, denunciando quase uma temerosidade quanto ao fato de estar
sendo encarado ou julgado. É uma figura paradoxal. E é nesta “falta
de respostas” de Corbijn e na soberba atuação de Philip Seymour
Hoffman que O Homem Mais Procurado se torna uma obra tão relevante e
inesquecível.
Estabelecendo
metáforas com seus personagens e seus caminhos, como indica a cena
inicial em que vemos uma água suja, quase revolta, uma parede e um
homem saindo daquele buraco, Corbijn emprega a figura de Günther
como sua principal força motora. Assim, as ações do protagonista
passam a ditar instantes da narrativa: a começar pela hábil
fotografia de Benoît Delhomme, que diversifica por duas vezes o uso
da paleta de cores na história – na primeira, a dessaturação é
trocada por cores muito mais vivas a partir do interrogatório,
quando o protagonista passa a pensar que tenha conseguido o que
queria; a segunda, posteriormente, ainda mais emblemática, devolve
os tons mais quentes para a trama quando é Günther que percebe que
está sendo avaliado e debocha com desdém da americana que acredita
estar fazendo o mundo um lugar melhor. Para ele, é apenas mais um
dia de trabalho. Em algo que ele é bom. Incrivelmente bom.
Ainda
assim, é notável como se sente desconfortável com seu cotidiano,
embora concentre toda as suas forças e inteligência em seus casos.
O vício na bebida e cigarros (e gosto muito da cena em que batiza um
café forte com seu uísque) só não corrobora mais com seu
sofrimento do que os enquadramentos de Corbijn, que sempre coloca no
cenário algo que deixe sua figura incompleta: um notebook inclinado
ou uma deformação num prédio. É, afinal, Günther não se
mostrando por completo, e existem diversas cenas que complementam
esse aspecto. Ao mesmo tempo, o figurino sublinha esse apelo ao
indicar Hoffman sempre com a mesma roupa e o mesmo sobretudo, a não
ser quando usa uma gravata para uma reunião formal e, noutra cena,
onde para fisgar seu peixe, numa isca perfeitamente plantada, o
personagem se veste quase como um típico pescador americano.
O
cineasta também é eficiente em retratar a divisão entre dois
extremos continuamente na trama, ao convencionalmente inserir uma
intersessão no meio de duas pessoas ou caminhos díspares. E basta
observar a cabeça do banqueiro Tommy Brue ao meio de um canal, o
mesmo lugar sujo de onde Issa saiu; a divisão racional no uísque
com dois cubos de gelos; Günther e Martha num café com uma pessoa
ao fundo os separando; Issa entre Brue e a advogada no apartamento; a
transação no banco e a separação por um computador; entre outros
casos. A proposta do mistério é simples, mas bem articulada: “siga
o dinheiro”. A montagem de Claire Simpson é muito boa ao criar uma
série de paralelos correspondentes a atmosfera de investigação –
um personagem surge, outro passa por ele e nos leva até uma escuta
ou a outra pessoa. Todos estão interligados. Sem existir
coincidências gigantescas ou romantismos.
Numa
trama em que todo mundo parece enganar todo mundo, claro, não há
tempos para amores ou salvações. Issa deixando a cabeça para a
fora do plástico que o esconde, num apartamento abandonado, mas
deixando o seu corpo do lado de dentro, ressalta exatamente isso:
alguém que não quer se entregar completamente. Não à toa, a
respiração pesada de Günther e o grito do clímax não soam como
desespero, mas como um desabafo. Após tantos dias, tempo,
sofrimento, nem a sua própria casa o conforta. No piano, solitário,
ele tenta tocar algumas notas perfeitas, mas elas são cortadas
abruptamente, ficando inacabadas. Como sua carreira. Uma triste
metáfora para o fim de um gênio.
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