A primeira vez que me deparei com uma obra de Nolan foi em seu segundo longa-metragem, chamado Amnésia. A narrativa de trás para frente construída com notória habilidade por parte de Nolan me impressionou como em muito tempo algo não fazia, criando algo irrepreensível e sujeito a se tornar uma das grandes obras-primas modernas. “Segundo longa-metragem”. Repito essa palavra, pois é interessante, mas ao mesmo tempo vergonhoso que não fui atrás do primeiro longa que o diretor havia conduzido, chamado “Following”. Só depois de mais 5 obras-primas que o diretor realizou que fui atrás dessa soberba obra que iniciou a carreira do diretor.
E só depois de 12 anos que posso afirmar que “Following” é justamente o demonstrativo de que Christopher Nolan seria um nome muito comentado e se tornaria um dos principais diretores de sua geração.
Escrito pelo próprio Nolan, o filme conta a história de um jovem escritor que passa a perseguir pessoas estranhas pelas ruas de Londres para ter material de pesquisa. Nessas andanças conhece um ladrão chamado Cobb, que a partir desse momento não sai mais do seu caminho. Cobb passa a ensinar a arrombar a casa de estranhos, como o apartamento de uma garota e o bar do ex-namorado dela.
Criando um paralelo muito forte com obras como PI (Aronofsky) e Eraserhead (Lynch), com sua fotografia em preto e branco, com o clima de tensão, os personagens trágicos e pelos acordes angustiantes (aqui oferecidos pelo ótimo David Julyan); Following começa o longa metragem nos apresentando o escritor (nunca é dito seu nome) em um tipo de sala, que nos remete a um interrogatório que o personagem está passando. Logo somos apresentados gradativamente a história que passaremos a acompanhar e os personagens que participarão da narrativa.
Nolan desde o primeiro minuto já nos joga numa ambientação de um filme noir. A fotografia em preto e branco, o cinismo, a corrupção, a femme fatale, são algumas boas referências. É sublime a maneira em que Nolan aos poucos vai colocando cada um desses traços em tela gradativamente. Veja, por exemplo, o começo que o diretor propõe em que o crime é uma coisa perfeitamente natural e pode ser feito se você não tiver um aspecto grosseiro, passando pela apresentação da personagem que vai servir de eixo para o filme até o bode expiatório. Brilhante.
Aliás, os pequenos detalhes que Nolan vai mostrando em seu filme são de uma riqueza tamanha em significados. Veja as cenas em que a atriz Lucy Russel aparece em cena, sempre as vestimentas da mulher apresentam algum tipo de decote ou algo que saliente a beleza que vemos em nossa frente. Outro belo exemplo são as grandes viradas de trama.
O próprio Nolan faz uma montagem digna de aplausos e extremamente corajosa ao nos apresentar grandes passagens de tempo (algo que voltaria a utilizar em O Grande Truque) e observarmos como foi que cada situação se sucedeu. Desde pequenas coisas, como o corte de cabelo do jovem escritor até o roubo de um bar.
Outro grande fator nessa obra-prima é a direção de arte de Tristan Martin. Veja, por exemplo, os assaltos protagonizados por Cobb e o escritor e, as mudanças de cada cenário. Entramos nos primeiros roubos em casas “sofisticadas”, algo que Martin consegue transmitir muito bem em vários cômodos e principalmente em uma vasta biblioteca em uma das salas. Ao passo, que quando é a vez do escritor com pouca experiência, escolher o alvo: a casa de um desempregado é mostrada com apenas dois cômodos, bastante mal cuidada e sem algo aparente para roubo. Impressionante.
Criando seus personagens dramáticos com uma desenvoltura invejável, o projeto também tem bastante sucesso nas atuações. Alex Haw confere a Cobb todo o cinismo, o ciúme e o tom que seu personagem precisa. É até estranho que o excelente ator, nunca tenha feito outro projeto. Jeremy Theobald também retrata seu personagem de forma excelente. Desde sua fraqueza moral até o “herói arruinado”. Ao passo que Lucy Russel (ótima) nos apresenta uma personagem extremamente ambígua e cínica.
Por fim, nada disso descrito nessa crítica prepara o espectador para todo o brilhantismo de Following. (SPOILER) Em uma citação admirável que o escritor faz logo no inicio – citado pelo colega Mateus Barbassa em sua crítica -, é dito: “Alguma vez você foi a um jogo de futebol e olhando para a multidão de repente se fixou em uma única pessoa? De repente, essa pessoa já não faz parte da multidão. Tornou-se um individuo sem mais nem menos. Tornou-se algo irresistível”. A frase não é apenas um mero porquê do personagem perseguir as pessoas, mas dá o passo para toda narrativa que virá a seguir. O individuo é tanto Coob (perseguido) quanto o escritor (o bode expiatório). E a cena final em que Coob volta para multidão fazendo a analogia com a frase do escritor é uma das melhores cenas em que já vi no cinema e é impressionante que o diretor transmita isso em um diálogo e em apenas duas cenas... Parabéns Nolan, parabéns...
(5 estrelas em 5)