30 de maio de 2013

Finalmente 18!

 

21 & Over, EUA, 2013. Direção: Jon Lucas e Scott Moore. Roteiro: Jon Lucas e Scott Moore. Elenco: Miles Teller, Skylar Astin, Justin Chon, Sarah Wright, Jonathan Keltz, François Chau, Russell Hodgkinson, Daniel Booko, Russell Mercado, Josie Loren, Christiann Castellanos, Samantha Futerman. Duração: 93 min.

Desde que Paul Weitz popularizou o gênero em American Pie na década de 90, todos os anos há algum tipo de obra que tenta seguir os mesmos passos: o fim da infância marcado pelo desejo sexual, situações cômicas originadas por esse desespero e grandes festas regadas aos mais sórdidos sonhos adolescentes. Como não poderia deixar de ser, trouxe à tona longas excepcionais (Superbad – É Hoje) e outros que de tão deploráveis eram lançados diretos para home video a fim de se tornarem específicos para o público jovem que gostaria de ver nudez com indicação recomendativa baixa. Finalmente 18! acaba se enquadrando na segunda opção – ainda que fruste até os rapazes que compram a ideia apenas para ver mulheres lindas nuas.

Seguindo a cartilha da maioria dos filmes com essa temática, a narrativa acompanha o aniversário de 21 anos (sim, a melhor piada do longa-metragem vem do título brasileiro) de um garoto chamado Jeff Chang, que decide farrear com dois de seus antigos amigos pelo campus de sua Universidade. A partir disso, a dupla de roteiristas Jon Lucas e Scott Moore passa a prometer as famosas situações desesperadoras que o álcool proporciona na juventude e no meio do caminho sugerir conflitos internos nos seus personagens principais.

O grande problema a ser enfrentado, porém, é que ambos não têm nenhuma pista sobre quais serão as situações humilhantes que os garotos passarão. Assim, o argumento absurdamente frágil da história fica sendo achar o lugar em que Jeff mora, quando este perde os sentidos. Tentando desviar a atenção desse aspecto, os dois procuram inserir quase que esquetes deslocadas em um momento ou outro para garantir que o espectador desse tipo de filme não fuja da sessão: logo, os diretores investem em mulheres sendo subjugadas, beijo lésbico, piadas politicamente incorretas e imbecis (“Seu filho da puta amarelo!”), sem esquecer, obviamente, de vômito e urina. Aliás, uma surpresa que piadas com flatulências não sejam vistas no decorrer do filme.  

 Lucas e Moore, além do mais, assemelham-se aos dois protagonistas: jovens imaturos que se acham engraçadinhos por pontualmente fazer alguma piada com filmes ou atores e serem limitados a pensar em sexo e álcool. Não que eles não incentivem um comportamento mais profundo, pois eles buscam ensaiar isso no distanciamento do pai e filho – ainda que o pai seja tratado lamentavelmente como um vilão – e no relacionamento entre Miller e Casey, mas o máximo que são eficientes é em demonstrar sua frustração com, estou arriscando, suas próprias vidas (“Todos terão empregos chatos, filhos, casarão e serão donos de uma minivan”).  

Contando com estereótipos ao invés de pessoas reais, Finalmente 18! é uma obra que traz uma cena de vômito em slow motion. Igualmente é dirigida por homens saudosistas e sonhadores que ainda não cresceram e vivem em um mundo imaginativo. E é terrível perceber que, ainda assim, mesmo que o público passe a boicotar esse tipo de argumento, é um gênero que está longe de encontrar o fim da linha. Sempre haverá o home video.


                                           

17 de maio de 2013

Morte do Demônio, A

Evil Dead, EUA, 2013. Direção: Fede Alvarez. Roteiro: Fede Alvarez e Rodo Sayagues, baseado no roteiro original de Sam Raimi. Elenco: Jane Levy, Shiloh Fernandez, Lou Taylor Pucci, Jessica Lucas, Elizabeth Blackmore, Phoenix Connoly, Jim McLarty, Sian Davis, Randal Wilson, Rupert Degas. Duração: 91 min.

Embora essa nova versão de A Morte do Demônio se apresente muito mais calcada no “racional” que o filme original, os seus personagens são muito mais estúpidos do que naquele filme que explorava o humor absurdo como sua principal arma. Basta analisar a diferença mais gritante: o livro dos mortos. Enquanto o grupo liderado por Ash sentava em volta de uma gravação que revelava as palavras que despertava os demônios, Alvarez tenta resgatar um pouco do humor negro ao demonstrar Eric lendo passagens gravadas com sangue humano sem nenhum tipo de receio. Contudo, não é nas tentativas pontuais de humor que o diretor cria algo marcante, mas em sua homenagem ao gore que encontra a sua maior qualidade.

Escrito por Fede Alvarez e Rodo Sayagues, com base no roteiro original de Raimi, a história segue – como de costume – com um grupo de amigos que decide viajar até uma cabana afastada para passar alguns dias. Mia (Levy) é uma jovem viciada em drogas e os seus amigos decidem ir até o local para ajudá-la a superar os seus próprios demônios. O problema é que esses não são os únicos demônios presentes naquela região, assim, após Eric (Pucci) ler passagens de um livro intitulado “O Livro dos Mortos”, os jovens começam a ser assombrados por muito mais do que apenas uma crise de abstinência.

Com um primeiro ato explicativo demais, chegando ao cúmulo de incluir frases que dão alusão para quem é cada um dos personagens (“Lembra-se do seu melhor amigo?”) e por onde eles andavam (“Eu tinha que aceitar aquele emprego em Chicago”), o roteiro encontra, ainda, obstáculos em contornar de forma racional um motivo para os amigos permanecerem na cabana, mesmo que seja evidente que algo errado está acontecendo no local. Assim, fica impossível não se irritar com momentos em que uma enfermeira profissional aponta para uma clara possessão e afirma que é crise de abstinência ou como o grupo decide manter Mia em cativeiro porque, bem, prezam pela saúde dela (juro!). E se no roteiro original de Raimi a passagem pela ponte quebradiça já soava tensa e até verossímil, nesta nova versão falta lógica quando observamos os irrisórios esforços do irmão de Mia em tentar passar pela enchente que assola o caminho de volta. Da mesma forma, algumas tentativas mais cômicas não encontram tanto respaldo porque sua atmosfera não é própria para isso – o que cria certo conflito. Até porque é no tom intenso que a narrativa passa a ganhar força: avalie a curiosa cena da árvore.

Mas quase nenhum dos erros claros parece tirar o foco da eficiente direção de Alvarez e sua falta de pudor. Não se contendo na violência e buscando proporcionar tensão por meio de seus planos inclinados, o diretor não deixa de lado as claras homenagens ao original (o colar que Mia ganha de seu irmão e a aproximação do demônio) e investe no desconforto: um personagem tendo que tirar a agulha de seu olho ou outro tendo que cortar o braço para o vírus não se alastrar são angustiantes; ao mesmo tempo em que o braço de um deles caindo ou a língua de Mia sendo passada por uma faca não são nada amenas. Não se contentando somente com isso, ele passa a extrair tensão de cenas aparentemente simples – como aquela em que apenas focaliza as pernas de determinada personagem, o instante em que a cama sugere se aproximar de Eric durante a leitura do Livro dos Mortos ou até mesmo o hábil travelling que nasce no segundo em que o grupo encontra o livro. E não há como não citar a chuva de sangue ocorrida no terceiro ato.

Apesar de contar com uma atriz bastante adequada ao papel (excelente a expressão dela enquanto o irmão tenta a levar embora, além do filme ganhar muito com sua presença a partir do segundo ato) e ser divertidíssimo, fica claro que o longa de 1981 continua atemporal. Porque, com um protagonista inesperado e surpreendente – diferente da nova versão –, mostra mais uma vez o quanto se mantém misterioso e influenciador, e expõe que nem mesmo os melhores efeitos especiais e as cenas mais cruéis podem comprar conteúdo.

                                 

9 de maio de 2013

Depois de Lúcia

Después de Lucía, México/França, 2012. Direção: Michel Franco. Roteiro: Michel Franco. Elenco: Tessa Ia, Hernán Mendoza, Gonzalo Veja Sisto, Tamara Yazbek, Monica del Carmen, Paloma Cervantes, Juan Carlos Barranco, Francisco Rueda, Diego Canales. Duração: 93 min.

No primeiro ano da minha faculdade, chegou às mãos de vários colegas um vídeo em que uma garota que conhecíamos fazia sexo com um rapaz. Estudava na mesma sala que nós e, extremamente envergonhada por ter confiado em alguém que não era digno de confiança, passou vários dias com os alunos – supostamente maduros – fazendo graça com o fato de alguém de nossa sala ter uma sex tape. Depois de Lúcia, basicamente, move-se pelo mesmo paralelo: uma juventude hipócrita que ainda acha cômico a liberdade sexual de outra pessoa.

Escrito e dirigido por Michel Franco, a narrativa acompanha a história de Alejandra e Roberto que, depois da morte de Lúcia, tentam reencontrar a paz em outra cidade e redescobrir seu relacionamento, deixando de lado a rotina triste dos dois. Após se matricular em um novo colégio, porém, Alejandra encontra uma realidade muito mais nociva e a dificuldade de se relacionar com seus colegas, que depois de divulgarem um vídeo contendo a menina fazendo sexo com outro jovem, passa a sofrer abusos físicos e emocionais.

Não apenas abordando a distância entre pai e filha e as consequências do bullying, como também escancarando a sociedade machista, onde a mulher é vista como vagabunda e o homem como herói, Michel Franco estabelece cada particularidade de seus dois protagonistas aos poucos e proporciona substância para cada um de seus destinos. Se começamos a história dos dois abordo de um carro em um mecânico, dando alusão a pessoas feridas buscando fugir de suas rotinas – note que só o que visualizamos nesse instante são para-choques destruídos e sendo readaptados –, o diretor mostra os sofrimentos distantes de Roberto e Alejandra. Observe que o pai vacila antes de dar a partida no motor e, não aguentando voltar à rotina de trânsito e negociações, deixa o passado na estrada; ao passo que a menina tenta se isolar na melancolia e solidão do oceano, ouvindo apenas o barulho das águas. Apenas depois de compreendermos os dois separados, que os vemos juntos pela primeira vez, inseridos abordo de um veículo novo – aliás, avalie como as figuras dos dois são muito menos claras que as árvores que percebemos do lado de fora do veículo, como se ambos buscassem uma realidade mais viva, colorida e de paz.

A eficiente direção de Franco, além do mais, merece os devidos créditos: se observamos divisórias quando Roberto e Alejandra estão no mesmo ambiente (o quarto de hotel é um belo exemplo), a chegada no novo colégio é ainda mais interessante por manter a câmera próxima dos alunos – salientando ares de lotação estudantil, como se qualquer pessoa nova fosse vista como intrusa. Até o receio de Alejandra em se dirigir ao seu lugar e a sombra do sorriso que vai se apagando auxiliam em demonstrar a falta de receptividade, o que irá ocasionar o bullying futuro. Sua capacidade para detalhes, ainda, torna Depois de Lúcia ainda mais instigante: veja como o primeiro close que vemos em Roberto surge durante uma conversa sobre casamento/filhos e como ele se sente sufocado. Além disso, o mesmo mar que acalma Alejandra no começo é a mesma saída que ela encontra no final, o seu único porto-seguro; algo que Roberto descobre depois, mas de uma maneira muito mais vingativa e cruel.

Dono de uma mensagem ainda mais forte do que aquela deixada pelo documentário Bullying, Depois de Lúcia é um perfeito retrato de uma juventude influenciada e hipócrita – basta analisar como uma das garotas que humilham Alejandra é vista logo depois sendo muito mais explícita. E é triste constatar que outras histórias, como aquela de minha colega e a da garota do filme, ainda virão e assombrarão mais famílias.
                                  

7 de maio de 2013

Em Transe


Trance, Inglaterra, 2013. Direção: Danny Boyle. Roteiro: Joe Ahearne e John Hodge. Elenco: James McAvoy, Rosario Dawson, Vincent Cassel, Danny Sapani, Matt Cross, Wahab Sheikh e Mark Poltimore. Duração: 101 min.
Em Transe é o típico filme que, com medo de que sua trama principal não seja o bastante e o público perceba suas limitações, introduz uma quantidade absurda de twists no roteiro para parecer muito mais inteligente do que realmente é. Uma prática comum e que, infelizmente, costuma funcionar, já que uma parcela do público se satisfaz com surpresas gratuitas. Utilizando como base a polêmica questão da hipnose, o filme não se restringe ao trauma de uma pessoa que perdeu a memória, mas busca abranger todas as questões possíveis: seja o que é real ou não até a noção extrema de vingança.
Escrito por Joe Ahearne e John Hodge, a trama gira em torno de Simon (McAvoy), o responsável pela segurança dos itens mais valiosos de um leilão de peças de arte. Ele se vê envolvido com uma gangue responsável por roubo de quadros, quando os criminosos acham que ele tem algo a ver com o desaparecimento do item que eles procuravam. O problema é que, durante o assalto, ele é atingido na cabeça e acaba perdendo a memória. Assim, com a ajuda de uma hipnoterapeuta (Dawson), entramos na mente de Simon para compreender o que realmente ocorreu durante o roubo.
Sustentando precariamente a diferença entre realidade e fantasia – recorre ao uso do amarelo e vermelho em abundância, além de dar uma ou outra pista sobre o lugar em que estamos: note que em determinado momento se percebe que a televisão mostra o mesmo gol constantemente –, Danny Boyle acerta pontualmente na intensidade que pretende alcançar. Nesta perspectiva, o diretor arranca tensão das lembranças de Simon e quando Dawson força os outros personagens a viverem seus piores temores: a cena com o morango, apesar de tola, apresenta-se angustiante. Da mesma forma, as passagens de uma ambientação para outra sempre são feitas eficientemente, oferecendo, ainda, um design de produção certeiro no jeito como acentua cada instante. Além disso, são sempre admiráveis os momentos que Simon observa a si próprio nas suas lembranças e como passa a não saber mais diferenciar o que é realidade e o que não é – quando atinge os quatro criminosos com uma arma, fica claro para o espectador o que está passando, mas Simon só nota o que está ocorrendo quando Franck se dirige para ele sem uma parte da cabeça.
Por outro lado, Ahearne e Hodge buscam desviar a atenção do roteiro pedestre espalhando novas pistas a cada três minutos – como não rir, por exemplo, quando Dawson passa por meio de um beijo três capsulas de balas? Além do mais, não há como não citar a moda de personagens secundários assumirem o papel de protagonista para fazer justiça com as próprias mãos, o que oferece um novo reflexo desesperançoso para analisar. Mas é nas gracinhas que o filme se mostra ainda mais frágil: neste caso, os criminosos pedindo comida chinesa em um lugar inusitado é no mínimo estúpido e a trupe comandada por Cassel parece bandidos saídos de um filme dos Pythons.
E se Dawson surge embaraçosa na pele de alguém muito mais complexa do que parece, sabotando ainda mais o clímax absurdo, James McAvoy é competente na mudança linear que seu personagem requer – algo que valoriza a sua loucura radical no terceiro ato.
Com uma sequência final que prejudica todos os outros acertos que Boyle fez aqui ou ali nos dois primeiros atos, a mensagem é clara: manipular as emoções do espectador custe o que custar e hipnotizá-los (com o perdão do trocadilho) com todo o tipo de twists para abafar os seus erros. E é triste constatar que ainda funciona.