30 de abril de 2013

Homem de Ferro 3

Iron Man 3, EUA, 2013. Direção: Shane Black. Roteiro: Drew Pearce e Shane Black, baseado nos quadrinhos criados por Stan Lee, Don Heck, Larry Lieber e Jack Kirby. Elenco: Robert Downey Jr., Gwyneth Paltrow, Rebecca Hall, Guy Pearce, Ben Kingsley, Paul Bettany, Don Cheadle, Jon Favreau, William Sadler, James Badge Dale e Ty Simpkins. Duração: 130 min.

Há duas cenas que definem perfeitamente Homem de Ferro 3: a primeira delas é, curiosamente, a cena pós-créditos presente no longa-metragem, onde é acrescentada uma explicação divertida, mas estúpida, da origem da narração em off feita por Tony Stark; a segunda, ainda pior, diz respeito à origem do vilão interpretado por Ben Kingsley. Principalmente a última, destaca o que os espectadores observam ao longo das mais de duas horas de filme: uma narrativa que versa com momentos e situações pesadas, mas que aponta como uma criança para toda aquela estrutura gritando: “Ei, olhe, tudo não passa de uma grande piada!”.

É exatamente esse o motivo do filme não servir nem como entretenimento – já que se leva a sério em alguns momentos –, como uma adaptação fantasiosa das histórias em quadrinhos ou uma trama minimamente realista como a do primeiro (e muito bom) Homem de Ferro. Shane Black parece não ter ideia de como conduzir a trama que quer, assim, tumultua de piadas deslocadas e sem graça o primeiro ato, chega ao cúmulo de fazer uma introdução com cada personagem que veremos a seguir, e é dono de um dos piores terceiros atos, arrisco a dizer, de tudo que a Marvel já lançou no cinema.

O diretor, aliás, desconhece uma maneira correta para conduzir suas grandes sequências de ação, apelando para os convencionais cortes rápidos e que deixam quase impossível prestar atenção nas lutas entre um personagem e outro. Do mesmo modo, chega a ser irritante a sua insegurança em um minuto ou outro, onde dá ares de que necessita mostrar o que outro personagem faz enquanto acompanhamos a verdadeira ação: neste caso, Paltrow vai até a sacada de sua casa destruída para gritar Tony e nada mais, e um corte ou outro é feito apenas para mostrar que os assassinos ainda estão vivos – juro que esperava que a trilha pontuasse esses momentos com algo parecido com “TCHARAM”. E mesmo que Black tenha noção disso, a sua maior competência, o timing cômico, também não encontra a solidez que necessita – sendo apenas pontualmente eficiente, como podemos enxergar na química entre Downey Jr. e Simpkins.

Tony Stark mais uma vez é personificado como um cara extremamente impulsivo e temperamental (“mande a conta”), não se importando em dar endereço para o Mandarim; além disso, mesmo que a pessoa que desencadeia o sentimento de revolta de seu personagem (Black tentando andar pelo mesmo caminho em que Whedon foi bem sucedido) não tenha significado algum na trama, o ator aproveita para aprofundar um pouco mais seu personagem, ainda que sofra com inúmeras decisões de um roteiro problemático. Sua preocupação com o garoto vivido por Simpkins e o final dos dois reflete muito sobre a personalidade de anti-herói.

E se Guy Pearce, mais uma vez, faz o único tipo de vilão que sabe fazer e atinge o fundo do poço com uma performance risível e detestável, Ben Kingsley extrai algo interessantíssimo de seu personagem – note, por exemplo, a tediosa pronúncia que dá para as palavras, abusando do prolongamento de consoantes, somente para dar razão, instantes depois, para tudo aquilo que havia feito até ali. Ainda que o roteiro o trate como uma grandíssima piada, os méritos para que isso realmente aconteça são exclusivamente do ator.

Não conseguindo saber realmente o que quer ser, Homem de Ferro 3 mexe com temas interessantes e pesados (“É isso que quer? Que eu faça justiça por vocês? A morte dele?”), mas termina sendo um filme que ri de si mesmo. E isso não seria um problema, caso isso fosse seu principal desejo desde o começo. Infelizmente, no final, acaba não passando de uma grande piada de mau gosto.

10 de abril de 2013

Chamada de Emergência


The Call, EUA, 2013. Direção: Brad Anderson. Roteiro: Richard D’Ovidio, baseado na história idealizada por Richard D’Ovidio, Nicole D’Ovidio e Jon Bokenkamp. Elenco: Halle Berry, Abigail Breslin, Morris Chestnut, Michael Eklund, David Otunga, Justina Machado, Roma Maffia, José Zuñiga, Michael Imperioli, Denise Dowse e Evie Thompson. Duração: 94 min.

Se há uma mensagem no novo filme do diretor Brad Anderson, responsável por filmes como O Operário e Mistério da Rua 7, é que a justiça é feita com as próprias mãos. Nesta perspectiva, a operadora Jordan Turner (Berry), embora tenha a mesma empatia que outros operadores com suas vítimas, não é uma figura normal: ela não se intimida em se dirigir sozinha até uma cena de um crime e o seu trabalho afeta muito mais sua vida pessoal do que – ela mesma assume – deveria. Enquanto o roteirista enfatiza uma afirmação de um homem que diz que ela não pode fazer o que está fazendo por ser somente uma operadora, Anderson enquadra em seguida a protagonista de baixo para cima, mostrando sua superioridade na situação e estampando uma bandeira americana ao fundo, como se ela fosse a epítome do patriotismo.

Escrito por Richar D’Ovidio (13 Fantasmas!!!!), baseado em sua própria história e de Nicole D’Ovidio e Jon Bokenkamp, o filme aborda Jordan Turner, que é uma das atendentes do sistema de emergência americano, o 911. Em uma ligação de rotina, ela atende uma adolescente que afirma que um homem está invadindo a sua casa e supostamente sendo vítima de um possível sequestro. Após um erro de Turner, a jovem é sequestrada e assassinada, o que faz a operadora cair numa problemática ansiedade. Quando o sistema de denúncia recebe outra ligação de uma nova jovem informando um delito semelhante, cabe a Turner a missão de ajudar a moça e ajudar a si própria no percurso...

Estabelecendo Turner como uma espécie de heroína desde o princípio, Anderson apresenta a protagonista se desviando de sua função, assumindo riscos, provocando situações para os policiais fazerem o que se espera deles e se mostra uma mulher inteligentíssima que desvenda sozinha um crime. Berry, por outro lado, oferece mais uma atuação não condizente com o que se espera de uma personagem sua. Dona de uma voz constantemente embargada e com uma expressão assustada, a atriz tenta contornar suas deficiências através de sua química ao telefone com a personagem de Breslin – observe, inclusive, como Anderson procura focalizar somente a boca de Berry quando este se dá conta de que realmente nada de positivo sairá dali. É justamente nesse diálogo entre Casey e Turner que o filme parece ganhar, pontualmente, alguns bons ares: como não destacar as tentativas desesperadas da jovem tentar ser vista de dentro do porta-malas acenando para o lado de fora ou jogando tinta branca pela pista?

Infelizmente, isso não é comum, parecendo ser um instante tão raro quanto aquele que Brad Anderson dirigiu O Operário. Chamada de Emergência nos retorna aos mesmos ingredientes de narrativas do gênero: a mulher que é arrastada de debaixo da cama, o armário que contém a lembrança de um erro passado, pesadelos com um trauma da vida da protagonista, a bateria que parece nunca ter carga, olhares julgadores, respirações pesadas que entregam localizações, a vítima que se esconde no lugar mais esperado e, obviamente, a completa estupidez dos policiais. A direção, por sua vez, é tão absurda que Anderson não se envergonha de focalizar instintivamente a arma do crime sempre que alguém é atingido ou não possui coragem o suficiente em suas mortes: note como ele reluta em demonstrar um homem em chamas.

Chamada de Emergência parece uma nova tentativa frustrada de um filme de terror, como exibe algumas tentativas de sustos aqui e ali durante a narrativa. E é irônico o fato de que esse é justamente o pior problema de Brad Anderson: o terror em suas obras; a não ser, claro, que seu pensamento seja completamente diferente e ele fique querendo atingir os seus espectadores ao invés de seus protagonistas. Neste caso, este seria o segundo ato de sua trilogia do horror, que havia começado com Mistério da Rua 7. Cruzem os dedos e pensem em qual será o ato final.

                                 

3 de abril de 2013

Mama

Idem, Espanha/Canadá, 2013. Direção: Andrés Muschietti. Roteiro: Neil Cross, Andrés Muschietti e Barbara Muschietti, baseado na história de Andrés e Barbara Muschietti. Elenco: Jessica Chastain, Nikolaj Coster-Waldau, Megan Charpentier, Isabelle Nélisse, Daniel Kash, Jane Moffat. Duração: 100 min.

Há um livro de John Connelly que sentencia que toda (boa) história deveria começar com “Era uma vez...”. Sem aclamar ou contestar o pensamento, certamente é algo que exala algum tipo de charme e magia: numa história de terror, então, apresenta-se agradavelmente interessante por nos remeter a grandes histórias contadas ao redor de uma fogueira durante a infância. É notável que Muschietti comece dando essa perspectiva corajosa a um longa-metragem de horror, porém é uma pena que sua audácia seja apenas pontual e precipitada, não encontrando o tom consistente que procura.

Escrito por Andrés e Barbara Muschietti e Neil Cross, o filme nos apresenta a vida de uma família que é afetada por uma grande tragédia envolvendo o assassinato de uma mulher e o sequestro de duas crianças. O tio das duas crianças, que é irmão do criminoso, contrata os serviços de algumas pessoas para descobrir o paradeiro das garotas (acreditem ou não, durante cinco anos ninguém notou um carro que saiu para fora da estrada!), o que anos mais tarde ocorre. O problema é que as duas crianças viveram de forma selvagem durante esse tempo e agora terão que se readaptar à sociedade. Como se não fosse o bastante, as crianças parecem trazer alguém a mais neste retorno, a qual elas chamam de Mama.

Entregando o tal fantasma no início da obra, Muschietti investe muito mais no mistério acerca do que realmente quer Mama e sua natureza do que suspense na aparência do monstro. Aliás, o roteiro parece sempre antecipar algumas informações e acontecimentos – note, por exemplo, o ocorrido com o tio das crianças. Esse fator acaba sendo uma das enormes vantagens do diretor na trama: ao invés de ser previsível em seus atos, explora outros pontos de vista, como a evolução de cada personagem ou nas mudanças temperamentais ao serem colocados em frente de destinos improváveis. Da mesma forma, o diretor é sábio ao fornecer detalhes de sua trama por meio de uma transmissão de rádio ou nos planos que efetua para dar uma atmosfera intensa – observe o excepcional enquadramento que exibe Lilly brincando com alguém enquanto Victória e Annabel aparecem em outro cômodo.

Em contrapartida, Muschietti se manifesta como alguém completamente inseguro quando a trama vai se sucedendo e, ao mesmo tempo em que procura estabelecer um fator surpresa, insiste no enfoque convencional do gênero – algo que acaba despertando uma profunda irritação pelo potencial perdido. Logo, olhares assustados, pesadelos em que a personagem sente o que está acontecendo na casa e aparições desnecessárias vão ofuscando as qualidades de até então. Igualmente, a decisão de o diretor revelar Mama a quase toda a hora faz perder o impacto que a personagem possui, além da explicação inoportuna sobre sua origem. Sem deixar de citar as homenagens óbvias que são feitas sem muita inspiração.

Ainda, mesmo que o roteiro tenha grandes momentos – uma sacada interessantíssima é o fato de que os óculos representam a separação de terror e realidade para Victória; analise, portanto, que quando ela se dirige para Mama ela tira os óculos –, são inadmissíveis tantos furos no roteiro. Além do carro na estrada que ninguém viu durante cinco anos, saliento o momento em que o personagem de Waldau afirma que sairá do hospital em um dia, mas parece sair um mês mais tarde (e sem alta alguma), afora o portal e a desculpa para os protagonistas habitarem uma casa vitoriana.

Jessica Chastain, por outro lado, encontra uma linearidade excelente para destacar sua Annabel. Enquanto ela começa comemorando um teste de gravidez negativo e com uma linguagem pesada, transforma-se gradualmente em alguém muito mais preocupada e protetora (avalie que ela começa com uma banda, passa a ter só o baixo e não quer ficar sozinha com as garotas, para depois ela se tornar muito afetiva com elas).

Por fim, mesmo que aqui ou ali tente trazer um charme apavorante, como Annabel olhando no closet ou embaixo da cama das garotas, nada justifica o “Era uma Vez...” presente no início do longa-metragem – afinal, o filme não é original e sua magia é precária e inconstante – a não ser que seja puro exercício de estilo. Mama, na verdade, talvez funcionasse de forma muito melhor se fosse contada ao redor de uma lareira (como aquela que ilumina as meninas) do que no cinema. Pelo menos foi a mensagem que Muschietti passou.