21 de setembro de 2012

Ted

Idem, EUA, 2012. Direção: Seth MacFarlane. Roteiro: Seth MacFarlane, Alec Sulkin e Wellesley Wild. Elenco: Mark Wahlberg, Mila Kunis, Joel McHale, Giovanni Ribisi, Patrick Warburton, Matt Walsh, Jessica Barth, Aedin Mincks, Sam J. Jones, Norah Jones, Tom Skeritt, Patrick Stewart e Seth MacFarlane. Duração: 106 minutos.

Nunca é bom estabelecer hipérboles ao começar uma crítica cinematográfica, mas não seria justo deixar de afirmar que sem dúvida alguma Seth MacFarlane é uma das melhores coisas que já surgiram na comédia americana. E não há como começar a falar sobre Ted sem mencionar o humor escrachado e inesperado de seu realizador, pois o segredo do filme reside basicamente nesses aspectos: o sarcasmo, a crítica social e o incomum de MacFarlane são os principais responsáveis por tornar Ted a melhor comédia do ano.

Escrito por Alec Sulkin, Wellesley Wild e Seth MacFarlane, que também dubla o personagem-título, a história gira em torno do pequeno John que deseja que seu ursinho de pelúcia, Ted, ganhe vida. Mal sabe o garoto que nada é mais forte que o desejo de uma criança (“bem, a não ser que você seja um helicóptero apache”) e o seu pedido acaba sendo atendido. Porém, já adulto, John terá que decidir se a amizade feita na sua infância é ou não é mais importante que o seu relacionamento com sua namorada, Lori.

Utilizando aspectos conhecidíssimos em outra criação sua, Family Guy, MacFarlane utiliza um arsenal de momentos imprevistos e impensados na construção de sua narrativa – e isso habita desde momentos mais claros, a excelente e espirituosa narração pontual, até momentos mais “perspicazes”, como os clipes que ressaltam os momentos em que os personagens se conheceram ou quando passam por uma situação desconcertante. Do mesmo modo, a magia que é salientada sendo trocada por algo mais satírico é perfeitamente construída e responsável por sequências impagáveis: o momento em que um apresentador aponta descontrolado “olhe o que Jesus fez!” é o melhor deles.

Além disso, assim como na já citada série Family Guy, o diretor se beneficia de um personagem brilhantemente criado e que já provoca risadas apenas no contexto em que está inserido; dessa forma, mesmo as ações convencionais, como uso demasia de drogas ou o uso recorrente do politicamente incorreto, sempre aparecem de forma acertada. Aliás, o politicamente incorreto presente no longa-metragem nunca soa como algo gratuito ou inconsequente, acertando até nesse aspecto – e observe, por exemplo, as cenas em que Ted brinca com o fato do garoto gordo correndo ou o personagem classificando os peixes de um aquário para notar isso.

Beneficiando-se, ainda, de diálogos hilariantes (“Ela está esperando algo maior: sexo anal?”, “Épocas em que os garotos se reúnem para bater em judeus”) e precisos (“Sei que não sou um ursinho falante, mas você não precisou realizar um desejo para me ter”), Ted apenas falha em sua principal trama, a injusta escolha de John, onde caminha por terrenos mais seguros. Mas nem isso consegue obstruir a confiança de MacFarlane na história que possui em mãos, pelo contrário, ainda encontra tempo para fazer críticas sociais durante o longa-metragem – observe, por exemplo, a cena em que o pai conservador manda a esposa pegar a arma para atirar em Ted ou na maneira como os jornais abordam a fama. Como se não fosse o bastante, mostra-se bastante seguro como diretor, conseguindo conferir rapidez e dinamismo (a cena da festa com Sam Jones é seu melhor momento) e ares mais sóbrios quando as cenas mais dramáticas requerem isso.

E enquanto Mark Wahlberg consegue convencer em sua aura mais imatura, mas que ao mesmo tempo luta para ser aquilo que sua namorada deseja, Sam Jones se destaca por ser ele mesmo e Mila Kunis é sabotada pela unilateralidade de sua personagem; Seth MacFarlane constitui a voz de Ted de forma perfeita por salientar a passagem de voz da infância para a maturidade com todos os anos tomados pelo álcool, drogas e a bagagem que aquele personagem teve durante sua fama.

Por fim, criando também gags visuais eficientes (não dá para deixar de citar Ted vestido de Yoda na fila de Star Wars), MacFarlane demonstra que é possível fazer comédias politicamente incorretas sem ser ofensivo durante esse percurso. E, nessa perspectiva, Ted pode representar muito mais do que uma exceção para o gênero durante esse ano; pode ser a afirmação de seu realizador como um dos maiores expoentes da comédia atual de qualidade.

19 de setembro de 2012

Polissia

Polisse, França, 2011. Direção: Maïwenn. Roteiro: Maïwenn e Emmanuelle Bercot. Elenco: Karin Viard, Joey Starr, Marina Foïs, Maïwenn, Nicolas Duvauchelle, Karole Rocher, Emmanuelle Bercot, Frédéric Pierrot, Arnaud Henriet, Naidra Ayadi, Jérémie Elkaïm, Riccardo Scamarcio e Sandrine Kiberlain. Duração: 127 minutos.


Há um fator do francês Polissia que é extremamente relevante para toda sua condução: o tema explorado é constantemente tratado com o melodrama num excesso exaustivo. Diante dessa perspectiva, a novata Maïwenn procura avançar não apenas em aspectos mais intensos e dramáticos, como também busca harmonizar ares mais vivos e naturais – proporcionando para o espectador uma experiência que é rica na área central do longa-metragem (a atuação daqueles policiais) e estimulante pelas adjacências que envolvem os protagonistas.

E isso de certa forma é muito curioso, pois no começo da narrativa somos introduzidos em tantas histórias e com tão diferentes subtramas que é surpreendente que saiamos do filme conhecendo o nome de mais do que três personagens abordados. Entretanto, mesmo com tudo conspirando contra si, a diretora consegue conduzir com segurança cada uma das histórias até o final e revela uma face que foge do convencionalismo.

Escrito por Emmanuelle Bercot e Maïwenn, que também atua, a trama gira em torno dos membros da Brigada para a Proteção de Menores que possuem uma dolorosa missão todos os dias: investigar inúmeros casos de abuso infantil, pedofilia e sequestro de crianças. Cada um desses policiais, à sua maneira, também possuem seus próprios problemas e situações em suas vidas pessoais – algo que acaba evoluindo com o passar da história e encontrando respaldo nas situações sofridas por cada um.

Buscando oferecer um equilíbrio desde o inicio para suas situações mais dramáticas e outras mais leves, Maïwenn versa um contraste recorrente que envolve os policiais em suas investigações e os sorrisos de crianças ou momentos mais despojados (como a cena da pista de dança). Dessa forma, a diretora acerta em passar os diferentes tipos de personalidades de seus personagens (e observe que Iris é sempre a que menos se diverte nesses períodos de descontração) e evidenciar seus respectivos sentimentos com o que trabalham.

Do mesmo modo, aposta nas particularidades de cada cena: partindo da premissa que o olhar, o gesto, vale mais do que a literalidade de uma ação, por exemplo. Assim, o filme ganha ainda mais peso pelas atuações de seu elenco. E se Marina Foïs consegue conter todas as suas emoções tanto em casa quanto no serviço, sem grande afetação, e a personagem de Karin Viard demonstra ser a mais intensa; é Joey Starr o grande destaque do longa-metragem, encarnando Fred com compaixão e frieza em momentos alternados.

Desnudando aos poucos cada particularidade de seus personagens e gerando uma estável simpatia nutrida pelo espectador para com aquelas pessoas, o filme é mais uma agradável surpresa do cinema francês nesse ano. E é culminando num clímax “imprevisto” e acabando um minuto após o esperado, que Polissia mostra que muito mais do que um filme comum do gênero, tornou-se quase um real documentário de emoções genuínas de diferentes tipos de seres humanos.

6 de setembro de 2012

O Legado Bourne


The Bourne Legacy, EUA, 2012. Direção: Tony Gilroy. Roteiro: Tony e Dan Gilroy. Elenco: Jeremy Renner, Rachel Weisz, Edward Norton, Scott Glenn, Stacy Keach, Donna Murphy, Michael Chernus, Corey Stoll. Duração: 135 minutos.

Não seria exagero afirmar que a trilogia Bourne figura entra as mais importantes do cinema de ação nos últimos anos. Com um ator extremamente carismático, competente e situações que não julgavam a inteligência de seu público, os primeiros exemplares da trilogia conseguiram manter um espectador fiel aos contornos e extensões que aquela trama iria percorrer – o que culminou nos excepcionais (e ligeiramente pretensiosos) capítulos dirigidos por Greengrass. É uma pena, portanto, que o “legado” do agente não tenha sido explorado da melhor forma possível e o que observamos nesse recomeço seja uma trama sem inspiração, insípida e inconsequente.

Escrito e dirigido pelo promissor Tony Gilroy (que aqui adverte uma total incapacidade para dirigir um longa dessa magnitude), também roteirista dos outros três filmes, a trama gira em torno de Aaron Cross – um dos agentes que se submeteu ao mesmo projeto de recrutamento de Jason Bourne, um programa conhecido como Treadstone. Depois de um vídeo que abalaria por completo todo o projeto realizado até então que envolvia esses super agentes, pessoas envolvidas no governo começam uma queima de arquivo para proteger seus interesses; porém, não contavam que mais uma vez uma dessas pessoas sobrevivesse e pusesse todo o esquema a perder.

Mostrando uma direção extremamente insegura desde os primeiros momentos da narrativa, Gilroy parece apostar que apenas mudar de uma ação para outra durante o longa seria o suficiente para trazer algum tipo de dinâmica ou ritmo. Do mesmo modo, o diretor aplica flashbacks constantes e deslocados – observe, por exemplo, quando é mostrado como o personagem de Norton conheceu Cross e seu acréscimo para a trama: nada. O diretor também transparece sua completa inexperiência nas tramas de ação ao apostar nos convencionais cortes rápidos, trazendo sequências incompreensíveis; e há de se ressaltar que a estúpida “homenagem” feita ao filme Exterminador do Futuro 2, em determinado momento, não apenas consegue destoar completamente da trama que era apresentada até ali, como também soa extremamente desapropriada.

Como se não fosse o bastante, o diretor/roteirista também não parece saber para onde encaminhar sua história e demonstra sua fragilidade ao tentar transmitir de forma desconcertante a compaixão de Aaron pela vida no primeiro ato. Além disso, busca continuamente diálogos expositivos tentando taxar cada um de seus personagens – e a apresentação de um vilão estereotipado feita no segundo ato, somente para trazer algum tipo de clímax para uma história que não saía do lugar, é lamentável.

E se por um lado Matt Damon trazia uma complexidade para um personagem que transitava entre momentos frios e de indulgência, o personagem de Jeremy Renner nunca consegue soar no mínimo carismático ou intrigante – fazendo com que o filme torne-se um exercício de paciência. Rachel Weisz, ao mesmo tempo, também surge como alguém totalmente dispensável para a trama ao não conseguir transmitir nenhum tipo de empatia ou química com Aaron e, sua importância para o projeto ser praticamente nula, como a própria gosta de salientar.

Prolongando-se demais e contando com um terceiro ato que prejudica ainda mais o futuro da franquia no cinema, ao seu final, O Legado Bourne soa apenas como uma desinteressante trama super-agente-inteligente-explosivo e um filme extremamente embaraçoso ao que os longas de Greengrass haviam acarretado até aqui. E não há como não achar curioso e irônico quando a Dra. Shearing afirma numa situação que queria que eles estivessem perdidos; porque, afinal, nada conseguiria ser mais pertinente: eles estavam.

4 de setembro de 2012

O Ditador


The Dictator, EUA, 2012. Direção: Larry Charles. Roteiro: Sacha Baron Cohen, Alec Berg, David Mandel e Jeff Schaffer. Elenco: Sacha Baron Cohen, Ben Kingsley, Anna Faris, Jason Mantzoukas, Chris Elliot, John C. Reilly. Duração: 83 minutos.

Depois de seus últimos filmes, já há como observar que Sasha Baron Cohen é constantemente sabotado pelo mesmo fator que é sua maior qualidade: o exagero. Se em Borat, o abuso constante era sempre preciso e nunca soava como algo extremamente forçado; em Bruno, esse quesito já não era mais uma novidade. Contudo, em “O Ditador” Cohen volta à boa forma em uma trama que, ainda que tenha diversos problemas em seu percurso no excesso do ator, consegue criar sequências hilárias e impensáveis, gerando uma obra que alterna entre tola e marcante.


Escrito por Alec Berg, David Mandel e Jeff Schaffer, além do próprio Cohen, a história acompanha o ditador Aladeen e sua ida para os EUA para discursar na ONU sobre o programa nuclear que seu país está desenvolvendo. Entretanto, Aladeen é sequestrado de seu hotel e uma conspiração para retirá-lo do poder e estabelecer a democracia de seu povo é desencadeada. O ditador, portanto, alia-se com uma antiga desavença para recuperar sua identidade e retomar seu trono; ao passo que faz uma inimaginável amizade com uma ativista


Estabelecendo desde o primeiro minuto o politicamente incorreto gritante que se tornou a marca dessa parceria, Larry Charles sempre trata de explorar o absurdo de cenas como o nascimento de um bebê com barba ou uma mulher morrendo em um parto, sufocada. Além disso, o diretor busca enaltecer (mas não consegue) a graça de cenas grotescas, como: o beijo nas axilas, as brincadeiras com o formato das armas nucleares ou na exploração sexual de atores de Hollywood, que são partes da parede de troféus de Aladeen. E, mesmo que certas decisões tomadas no primeiro ato consigam ter um potencial crítico, fica claro que os atores (incluindo o próprio Cohen) não conseguem encontrar o timing desejável – basta observar que mesmo as cenas em que o ditador aparece numa curiosa competição de atletismo ou jogando em seu castelo soam deslocadas.

 
Em contrapartida, chega a impressionar o quanto os problemas que o longa-metragem mantinha até então ecoam imperceptíveis quando os atores acertam no timing e as situações em que o ditador se envolve tornam-se hilárias. Assim, diálogos como “20 dólares por uma internet e eu que sou acusado de criminoso?” ou a situação que passa no bar em que é odiado ou as conversas no helicóptero afirmam o potencial que o filme tinha, mas ainda não havia conseguido encontrar – e as cenas em que mostram Aladeen no trabalho (principalmente os tapas em clientes provocadores e o sequestro da família de um fiscal) são as melhores do longa-metragem.

Ao mesmo tempo, o filme também acerta no tom e subverte as expectativas da previsibilidade que parecia estar surgindo. E há de se destacar a cena em que Aladeen ameaça pular de uma ponte, mas é convencido pelo amigo a ser o melhor ditador que o mundo já viu ou o intenso discurso sobre democracia e ditadura que faz no final da narrativa (“já imaginaram fraudar eleições? Mentir sobre Guerras? E mídias controladas por apenas uma família?”).

 
Pois, mesmo que o filme falhe em encontrar uma abordagem mais profunda, limitando-se a brincar superficialmente com o tema e investir numa história de amor improvável e desinteressante; no final, até o timing que não era encontrado antes ganha muito nas cenas mais excessivas (como na discussão acerca dos meninos de 14 anos, no parto ou na constante brincadeira com uma cabeça de um morto). No final, uma coisa é certa: Cohen precisa aprender a se conter mais nos seus maneirismos e exageros, pois –se já é aceitável agora –, quando conseguir, poderá se tornar um dos melhores atores de comédia de sua geração.