9 de novembro de 2010

Following (1998)

A primeira vez que me deparei com uma obra de Nolan foi em seu segundo longa-metragem, chamado Amnésia. A narrativa de trás para frente construída com notória habilidade por parte de Nolan me impressionou como em muito tempo algo não fazia, criando algo irrepreensível e sujeito a se tornar uma das grandes obras-primas modernas. “Segundo longa-metragem”. Repito essa palavra, pois é interessante, mas ao mesmo tempo vergonhoso que não fui atrás do primeiro longa que o diretor havia conduzido, chamado “Following”. Só depois de mais 5 obras-primas que o diretor realizou que fui atrás dessa soberba obra que iniciou a carreira do diretor.

E só depois de 12 anos que posso afirmar que “Following” é justamente o demonstrativo de que Christopher Nolan seria um nome muito comentado e se tornaria um dos principais diretores de sua geração.

Escrito pelo próprio Nolan, o filme conta a história de um jovem escritor que passa a perseguir pessoas estranhas pelas ruas de Londres para ter material de pesquisa. Nessas andanças conhece um ladrão chamado Cobb, que a partir desse momento não sai mais do seu caminho. Cobb passa a ensinar a arrombar a casa de estranhos, como o apartamento de uma garota e o bar do ex-namorado dela.

Criando um paralelo muito forte com obras como PI (Aronofsky) e Eraserhead (Lynch), com sua fotografia em preto e branco, com o clima de tensão, os personagens trágicos e pelos acordes angustiantes (aqui oferecidos pelo ótimo David Julyan); Following começa o longa metragem nos apresentando o escritor (nunca é dito seu nome) em um tipo de sala, que nos remete a um interrogatório que o personagem está passando. Logo somos apresentados gradativamente a história que passaremos a acompanhar e os personagens que participarão da narrativa.


Nolan desde o primeiro minuto já nos joga numa ambientação de um filme noir. A fotografia em preto e branco, o cinismo, a corrupção, a femme fatale, são algumas boas referências. É sublime a maneira em que Nolan aos poucos vai colocando cada um desses traços em tela gradativamente. Veja, por exemplo, o começo que o diretor propõe em que o crime é uma coisa perfeitamente natural e pode ser feito se você não tiver um aspecto grosseiro, passando pela apresentação da personagem que vai servir de eixo para o filme até o bode expiatório. Brilhante.


Aliás, os pequenos detalhes que Nolan vai mostrando em seu filme são de uma riqueza tamanha em significados. Veja as cenas em que a atriz Lucy Russel aparece em cena, sempre as vestimentas da mulher apresentam algum tipo de decote ou algo que saliente a beleza que vemos em nossa frente. Outro belo exemplo são as grandes viradas de trama.


O próprio Nolan faz uma montagem digna de aplausos e extremamente corajosa ao nos apresentar grandes passagens de tempo (algo que voltaria a utilizar em O Grande Truque) e observarmos como foi que cada situação se sucedeu. Desde pequenas coisas, como o corte de cabelo do jovem escritor até o roubo de um bar.

Outro grande fator nessa obra-prima é a direção de arte de Tristan Martin. Veja, por exemplo, os assaltos protagonizados por Cobb e o escritor e, as mudanças de cada cenário. Entramos nos primeiros roubos em casas “sofisticadas”, algo que Martin consegue transmitir muito bem em vários cômodos e principalmente em uma vasta biblioteca em uma das salas. Ao passo, que quando é a vez do escritor com pouca experiência, escolher o alvo: a casa de um desempregado é mostrada com apenas dois cômodos, bastante mal cuidada e sem algo aparente para roubo. Impressionante.


Criando seus personagens dramáticos com uma desenvoltura invejável, o projeto também tem bastante sucesso nas atuações. Alex Haw confere a Cobb todo o cinismo, o ciúme e o tom que seu personagem precisa. É até estranho que o excelente ator, nunca tenha feito outro projeto. Jeremy Theobald também retrata seu personagem de forma excelente. Desde sua fraqueza moral até o “herói arruinado”. Ao passo que Lucy Russel (ótima) nos apresenta uma personagem extremamente ambígua e cínica.


Por fim, nada disso descrito nessa crítica prepara o espectador para todo o brilhantismo de Following. (SPOILER) Em uma citação admirável que o escritor faz logo no inicio – citado pelo colega Mateus Barbassa em sua crítica -, é dito: “Alguma vez você foi a um jogo de futebol e olhando para a multidão de repente se fixou em uma única pessoa? De repente, essa pessoa já não faz parte da multidão. Tornou-se um individuo sem mais nem menos. Tornou-se algo irresistível”. A frase não é apenas um mero porquê do personagem perseguir as pessoas, mas dá o passo para toda narrativa que virá a seguir. O individuo é tanto Coob (perseguido) quanto o escritor (o bode expiatório). E a cena final em que Coob volta para multidão fazendo a analogia com a frase do escritor é uma das melhores cenas em que já vi no cinema e é impressionante que o diretor transmita isso em um diálogo e em apenas duas cenas... Parabéns Nolan, parabéns...



(5 estrelas em 5)

4 de novembro de 2010

Look up in the Sky (2006)

É interessante o fato de muitos não assistirem documentários ou assistir só quando é de vital interesse. Porém, é bastante justificável. Muitos documentários são considerados odiosos por manterem uma montagem extremamente tediosa e desgastante.

 É difícil nos concentrarmos durante 2 horas em uma marcha de pingüins sem haver algum tipo de tédio. Por outro lado, os documentários estão cada vez mais fascinantes. Tanto do ponto de vista político, quanto do ponto de vista técnico.

Werner Herzog nos presenteou há pouquíssimo tempo com o extraordinário documentário “Homem Urso” e Michael Moore nos presenteia quase que em todas as suas obras com um ponto de vista fascinante, desde o espetacular “Tiros em Columbine” até o excelente Capitalismo – Uma história de amor.

Porém, somente há pouco tempo fui me deparar com uma obra-prima documental produzida em 2006. Look up in the Sky é um retrato fiel de um dos maiores heróis de todos os tempos e sua significância histórica.
Escrito por James Grant Goldin e Steven Smith, o documentário narra duas horas da história do “Homem de Aço”, abordando todas as suas aparições na mídia, indo dos quadrinhos aos desenhos animados, passando pelos seriados cinematográficos e de TV, e seus filmes em longa metragem. O filme mostra um pouco dos criadores do herói, Jerry Siegel e Joe Shuster, e tenta explicar porque o Super-Homem continua sendo tão popular.

Contando com uma montagem no mínimo espetacular, a narrativa começa nos apresentado logo em sua cena inicial com uma trilha impecável aliada a voz estimulante de Kevin Spacey o que veremos em todo o documentário. Desde os primórdios da criação do homem de aço até o desenvolvimento de seus filmes e seriados inspirados no mito.

É impressionante o ritmo que os montadores conseguem manter durante todo o projeto, sem nunca deixar o ritmo desgastado. Não é à toa que foram necessários cinco montadores para colocar o documentário no ar. Kevin Benson, Troy Bogert, David Comtois, John W. Richardson e Molly Shock conseguem entrelaçar as vertentes dos quadrinhos com as séries televisivas e os próprios longas-metragens de forma excepcional. Sempre interligando épocas e décadas, os montadores não caem no convencional e oferecem um fluxo narrativo invejável.

Ao mesmo tempo em que Kevin Burns conduz com maestria a direção de todo o projeto. Escolhendo cenas e episódios importantes e marcantes do personagem, traz à tona dados e informações que muitos fãs do herói podem nunca ter ouvido falar. Um grande exemplo é o musical do Superman que nunca chegou a ir ao ar ou até mesmo o piloto de uma série em formato animal do super-herói que chega a soar trágico. O diretor ainda acerta nas escolhas das entrevistas. Trazendo-nos atores importantíssimos que ajudaram o Superman a se formar um grande herói.

Trazendo uma voz incrivelmente limpa e sábia, Kevin Spacey conduz a trajetória do homem de aço como se fosse um professor lecionando. Sempre contando os fatos com a tensão e eloqüência que a história merece ser contada, Spacey acerta em soar a voz com muito pesar em cenas mais emocionantes, como a morte de George Reeves ou mais recentemente o falecimento de Christopher Reeve.

Por fim, um dos principais fatores e acertos desse magnífico projeto é todos os envolvidos terem sentimentos ou alguma história interessante para acrescentar a mitologia. Aliando-se com cenas devastadoras emocionalmente como a já citada morte repentina de Reeves. Emociona-me muito uma das entrevistas em que se diz o seguinte: “Como explicar para as crianças da época que o invencível Superman havia morrido?”. Bom, na verdade ele realmente não morreu, pois se queremos achá-lo basta olhar para os céus (Look in the Sky).


(5 estrelas em 5)

Rede Social (2010)



Qualquer cinéfilo que dá uma rápida verificada na filmografia de David Fincher pode ficar assustado com a qualidade de seus longas. Fincher dirigiu obras primas e todos os seus trabalhos tem algum ponto interessante ou é inovador em sua estrutura. São obras como: Alien 3, Se7en, Vidas em Jogo, Clube da Luta, O Quarto do Pânico, Zodíaco, O Curioso Caso de Benjamin Button e agora Rede Social, que fazem de Fincher um dos maiores gênios da história do cinema. Em Rede Social, o diretor acerta mais uma vez e cria um paralelo entre poder e solidão.



Escrito pelo genial Aaron Sorkin (The West Wing e Jogos de Poder), baseado em livro de Ben Mezrich, o filme conta a história de Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg), analista de sistemas graduado em Harvard que se senta em seu computador numa noite de outono em 2003 e começa a trabalhar em uma nova idéia. Apenas seis anos e 500 milhões de amigos mais tarde, Zuckerberg se torna o mais jovem bilionário da história com o sucesso da rede social Facebook. O sucesso, no entanto, o leva a complicações em sua vida social e profissional.

O primeiro grande aspecto do projeto é o roteiro de Sorkin. Conhecido por diálogos pertinentemente políticos e absurdamente interessantes, o roteirista consegue aliar três histórias paralelas e mostrar diálogos e facetas diferentes para cada uma das ocasiões. Trabalhando lado a lado na construção das cenas com Fincher, Sorkin faz um trabalho de gênio e possivelmente será premiado por seu trabalho.

A condução que Fincher dá para a trama é de tirar lágrimas de qualquer espectador. O diretor faz parecer muito fácil o trabalho de direção passeando a câmera por entre os locais da trama, aliado com a soberba montagem de Kirk Baxter e Angus Wall.

A montagem, aliás, com toda a certeza ganhará o Oscar do ano que vem. Os cortes precisos de uma cena para outra são perfeitos. Veja, por exemplo, quando Mark ou Eduardo começam a contar alguma história do passado. Assim que a fala deles tem início, somos transportados para o tempo em questão, quase que em um “racord” de palavras.

A direção de Fincher ainda acerta em demonstrar pequenos aspectos dos personagens. Logo quando o personagem de Timberlake nos é apresentado, a câmera dá toda a atenção para o personagem, mostrando sua importância. Note também, como a câmera focaliza a admiração que Mark cria instantaneamente por Sean. Aliás, os aspectos que definem o personagem de Eisenberg são fascinantes. Desde sua reclusão, como mostrada em cenas no processo de Eduardo, até cenas em que mostra a total falta de interesse por Mark com o que está acontecendo. Note por exemplo, o belo trabalho de câmera de Fincher mostrando esse aspecto em uma cena na reunião de Zuckerberg com o conselho da escola e o personagem utilizando um moletom e chinelos.

Outro fator absolutamente fascinante é o fato das vestimentas do personagem de Mark mudar conforme a situação. Desde cenas em que o personagem se veste apenas de moletom retratando sua falta de interesse nos processos dos atletas e na reunião do conselho. Ao passo que no processo de Eduardo, o personagem se veste mais adequadamente (colocando inclusive um terno), mostrando o quanto o personagem de Eduardo é importante para ele, sendo seu único amigo.

Criando o Mark Zuckerberg com uma carga dramática impressionante, Jesse Eisenberg dá um show de interpretação e é um provável indicado ao Oscar do próximo ano. O Mark de Eisenberg se mostra uma pessoa deslocada, inteligente e solitária, e cria um elo irretocável com o público. Eisenberg compõe o personagem com uma solidão devastadora. Cenas como a da sala de um dos processos, em que Mark fica apenas com seu notebook e sem vontade de se levantar e socializar em alguma refeição. Ou em seu vinculo com a personagem Erica, que culmina em uma cena devastadora emocionalmente, onde o personagem de Mark atualiza o facebook de seu amor platônico.

Andrew Garfield como Eduardo Saverin, se mostra igualmente competente interpretando o melhor amigo de Zuckerberg. Cria um retrato de amigo fiel durante toda a projeção, mostrando que seus interesses são apenas em pró do amigo e que só está passando por aquela situação por ter se sentido muito prejudicado com a ação de Zuckerberg, algo profundamente compreensível. Ao passo que Justin Timberlake nos presenteia com mais uma excelente atuação a retratar um personagem “aproveitador” e festeiro.

Por fim, Rede Social não é apenas um filme sobre a criação do Facebook ou a biografia de um bilionário, nada disso. Fincher conseguiu demonstrar sua genialidade mais uma vez, mostrando o lado mais frágil do ser humano: a cobiça, o poder e a solidão. Um diretor que consegue equilibrar esses três conceitos em um único filme merece toda a adulação que vem recebendo em cada obra que conduz. Por isso, Ave Fincher.

 
(5 estrelas em 5)

3 de novembro de 2010

Scott Pilgrim vs The World (2010)

É interessante o fato que Scott Pilgrim não será aceito por parte do público, porém é perfeitamente compreensível. O filme em nenhum momento se adapta a filosofia de montagem de filmes norte-americanos, se arrisca em fazer algo inteiramente novo e brinca com a cultura pop de uma forma devastadora. Muitos irão julgar Scott Pilgrim como um filme detestável, outros vão julgá-lo como apenas divertido, mas Scott Pilgrim é muito mais do que isso. Scott Pilgrim vs The World é o que de melhor o cinema nos apresentou esse ano.

Escrito por Michael Bacall e Edgar Wright, baseado nos personagens criados por Bryan Lee O’Malley, o filme mostra a história de Scott Pilgrim (Michael Cera), baixista de 22 anos da banda de garagem Sex Bob-omb ,que acaba de conhecer a garota dos seus sonhos… literalmente. O único obstáculo para ganhar Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winstead) são seus sete ex-namorados malignos.

O primeiro acerto do projeto é colocar o excelente diretor Edgar Wright (do brilhante Todo mundo quase morto) na direção do projeto. Cada plano utilizado pelo diretor é um acerto. Desde pequenos enquadramentos em seus personagens até na brilhante montagem de cena. Veja, por exemplo, logo no começo do projeto quando a câmera começa a se afastar da banda, remetendo a um show de rock. Orquestrado por Wright e pela montagem soberba.

Aliás, o equilíbrio constante entre montagem e direção é de tirar lágrimas do espectador. Começando pela cena do desafio entre bandas em que o diretor foca em Scott Pilgrim tendo consciência da conversa entre Ramona e Knives. O diretor usa uma profundidade de campo assombrosa em cena. Logo depois, a montagem ainda com a ajuda da direção nos proporciona uma cena devastadora de luta. Num clima quase que de Tekken (brincando com a cultura pop) o diretor consegue enquadrar a multidão esperando a luta que virá a seguir e ainda dá o espaço para a montagem colocar o famoso “versus”. Genial.

A montagem de Jonathan Amos e Paul Machliss (geralmente montadores de episódios de séries de TV) acerta brilhantemente em demonstrar a cultura pop e suas ramificações durante todo o longa. E junto com o diretor, merecem palmas pela coragem de fazer o projeto como foi feito.

Olhe por exemplo, sempre os pequenos quadros citando o personagem quando é apresentado e sua natureza. Além de ser brilhante, remete muito à linguagem de quadrinhos, que inspirou o projeto. Outro aspecto muito bem montado é uma das cenas em que os montadores usam a trilha de Seinfield e as gargalhadas de fundo. Fazendo uma excelente brincadeira com os “sitcoms”.

Transformando Scott Pilgrim em uma pessoa encantadora, mas humana e sujeita a erros – o que provoca mais admiração por parte do publico – Michael Cera, mais uma vez, faz uma excelente construção de personagem. Cria a principio alguém que apenas vive o momento sem preocupações, mas que ao mesmo tempo não consegue ficar sozinho no mundo. Veja, por exemplo, sua química com Knives que se mostra de forma excepcional na cena dos dois em um “jogo de dança” e a analogia dos dois se complementando, é perfeita. Mais brilhante ainda é quando Scott conhece Ramona, fazendo seus sentimentos por Knives desaparecer instantaneamente, o que é mostrado em outra seqüência do “jogo de dança”.

A atriz Ellen Wong, aliás, sempre cumpre bem seu papel em cena. Desde suas cenas quase que como “tiete” da banda até sua admiração e obsessão por Scott Pilgrim.

Mary Elizabeth Winstead também tem um bom desempenho e nos apaixonamos por sua personagem assim como Scott. O seu desenvolvimento é perfeitamente conduzido pela atriz e torcemos por um final feliz entre os dois. Ao passo que Kieran Culkin está impecável como Wallace, arrancando risadas a cada cena em que aparece.

Por fim, Scott Pilgrim se torna algo grandioso justamente por trazer um equilíbrio constante entre montagem, direção e atuações, conseguindo passar para o espectador tudo aquilo que se propõe: brincar com a cultura pop como nunca antes e divertir pelo surrealismo da trama.

Aliás, essa é uma palavra chave no projeto: diversão. Porque quando até os envolvidos parecem estar se divertindo com o que estão fazendo, o espectador será um grande favorecido. Palmas para eles.

(5 estrelas em 5)